
“O diálogo”, livro de estreia da Luizza Milczanowski, é um romance angustiante sobre trauma, memória e formulação. A partir da morte de Leonardo C., a protagonista da obra se vê imersa em sua própria história, tentando mais uma vez elaborar tudo que viveu.
Essa personagem não nomeada reflete sobre quem ela foi, o que não chegou a dizer e o que nunca poderá ser respondido ou perguntado e pensa muito no Diálogo comprido que queria ter para tentar encontrar alguma explicação possível. Entretanto, ela não apresenta sua experiência a partir da primeira pessoa. Não seria capaz de fazê-lo. Conhecemos a história d’A Menina por um narrador onipresente o suficiente para conhecer todos os pensamentos e sentimentos da personagem, mas ainda assim quase incapaz de contar algo além dela, nesse sentido há somente reflexões quase ensaísticas sobre a existência, a ideia de escolha, a literatura, a criação, a verdade e a filosofia, sendo que até isso parece surgir a partir d’A Menina também. Narrador e personagem principal se retroalimentam, apesar da terceira pessoa. O “Ela” parece ser o único meio de contar, uma ficção da protagonista para conseguir dizer o que precisa ser dito, a possibilidade da elaboração. Isso se evidencia, principalmente, nas repetições e no ir e voltar ao passado.
Luizza Milczanowski escreveu uma história sobre sobrevivência, dessas cheias de camadas, como a memória, mesmo emulada, sempre é. Dessa forma, apresenta para o leitor uma personagem complexa, vítima de um homem com nome e sobrenome, mas vítima também de um todo que parece ter começado a engoli-la lá atrás, antes mesmo desse homem surgir e ficar. Vítima antes de saber que era vítima. Vítima que se moldou, como muitas outras, a partir dos primeiros “seja boazinha”, “obedeça” e “homens são assim mesmo”.
“O diálogo” é um desses livros que a gente lê de em um fôlego só, mas não entende bem o porquê. Tudo já aconteceu, já é passado, apesar de afetar tanto o presente da personagem. Lemos porque inicialmente queremos saber e, depois, porque queremos entender. Somos guiados pelas aflições d’A Menina, pelas memórias dela, por todas as reflexões sobre sua busca pelo que aprendemos a chamar de amor. A gente quer saber como ela se livrou de Leonardo C., mas já sabendo que, mesmo depois do que aconteceu, algo dele continuou vivo dentro dela, a vampirizando até aquele momento.
Vítimas perfeitas para Leonardos se constroem a muitas mãos e o diálogo impossível que A Menina busca com ele acaba vindo a acontecer, de certa forma, entre a personagem e o leitor que se descobre, a cada palavra, parte de uma sociedade que nega amparo, enquanto propagandeia querer preservar a pureza das crianças, que silencia e torna vivências traumáticas e violentas um segredo vergonhoso.
A autora surpreende, porque escreve sobre violência, infância e trauma sem medo de mostrar seus muitos desdobramentos possíveis e usa a literatura e a escrita para falar sobre voz, silenciamento, sociedade, morte e memória.
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Leitura da Thaís:
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Ótimo livro, resenha fidedigna ao texto. Foi mto bom ter participado do encontro do livro. Sempre um aprendizado.
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