adeus, Adília Lopes

ontem, sem saber o que fazer com a notícia triste do dia, me peguei abrindo a Dobra mais uma vez. achei, inicialmente, que era por Adília ou Maria José que eu lia todos aqueles poemas, mas era também por mim.

a Dobra, com esse nome, sempre me fez pensar nas bolhas de dobras de tempo-espaço. ler esse livro, como na teoria Alcubierre, me faz surfar no desconhecido, sem ser afetada pelas leis da física. posso com a Dobra ler todos os anos anteriores de Adília como livro só. encarar o que foi produzido ao longo dos anos como obra única. e fiz isso inúmeras vezes lendo também cada um dos poemas como se eles acontecessem no momento presente. assim pude fazer todas as Adílias coexistirem tentando pegar um peixe com as mãos em Lisboa ou em Divinópolis e conseguindo uma, duas, três, quatrocentas vezes.

corri até a Dobra por isso, eu acho. quis ritualizar a despedida adicionando a Adília que não está mais entre nós a todas aquelas que vão continuar vivendo em cada um de seus leitores.

ficamos então com a falta. sem musas boas ou malvadas, sem a poeta oráculo do cotidiano, sem seus jogos perigosos e sem mais poemas repletos de gatas, baratas e fodas. mas ficamos também com a Dobra, porque ela escreveu o que escreveu e como escreveu para desafiar todas as leis da física da maneira mais banal e irônica possível. a literatura, de alguma maneira, sabe dobrar o tempo. e porque Adília fez isso com seus poemas, podemos brincar de dobrar junto com ela mesmo agora.


sentiremos sua falta!

Essas imagens junto dessa semi-crônica, foram publicadas originalmente em meu Instagram. O desenho marromenos foi feito por mim a fim de homenagear a poeta.

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Thaís Campolina

O que falta em tamanho sobra em atrevimento. Isso foi dito sobre um galinho garnisé numa revista Globo Rural dos anos 80, mas também serve pra mim.

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