
A figura do escritor se sustenta num estereótipo que é basicamente um homem branco, que quando não bebe café, bebe conhaque. É sempre um cara que fala pouco, não gosta de fazer social e escreve madrugadas a fio. O escritor padrão é um cara blasé que acha uma futilidade tudo que não o interessa. Há quem diga que o “escritor raiz” tem que tocar o papel durante o ato de fazer um texto, seja com lápis, caneta ou máquina de escrever. Outros falam que tem que ser solitário acima de tudo.
Sempre escrevi, mas nunca cumpri os requisitos para tirar a carteirinha. Do café, gosto só do cheiro. Sou dada às palavras, sejam elas escritas ou ditas. São as conversas que me movem, adoro a contação de histórias e as pequenas crônicas do cotidiano que cabem nos casos que narramos e ouvimos.
Na madrugada, eu encontro o sono. Para existir, preciso dormir oito horas diárias. Só bebo cerveja artesanal e com companhia. Sou mulher, então supõem que escrevo listas de compras, anoto compromissos em agendas e falo sobre casamento e príncipes em diários. Escrevo com o que tiver na minha frente: papel e caneta, bloco de notas do celular ou computador. Para não perder ideias, anoto com o dedo frases no box do banheiro cheio de vapor. Mas confesso que tendo ao preciosismo do papel e caneta quando faço poesias.
Quis caber nesse rótulo muitas vezes, me desqualifiquei como possível escritora só por não ser indiferente o suficiente, rir demais e morrer de preguiça dessa idolatria pelo café. Às vezes até brinco com esse estereótipo e escrevo na primeira pessoa como se eu representasse bem esse padrão. Até porque o mundo da escrita me permite usar a primeira pessoa do singular e criar histórias narradas por um eu que não sou eu.
Usar essa persona escritora como uma identidade sua ou de um personagem se tornou um clichê que desencoraja quem está tão longe do que foi eleito como “O Portador Da Carteirinha de Escritor” e transforma essa figura em algo quase sacro, como se a atividade de escrever fosse um dom divino que carrega junto o tormento, estranhamente qualificador, de não aguentar o Outro.
Pego emprestada a ideia de anti-herói e quando a insegurança bate, me assumo como uma antiescritora. Não caibo no que se espera do escritor clássico e sei que o grupo composto por quem escreve é heterogêneo demais para se definir um padrão, mesmo que, em partes, ele seja o que a gente vê em peso nas prateleiras das livrarias.
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