“Solução de dois estados”: uma história sobre ódio, sociedade e subjetividade

Divulgação — Adquira seu exemplar aqui.

“Solução de dois estados”, obra mais recente do escritor brasileiro Michel Laub, se inicia com uma memória do personagem Alexandre sobre o Plano Collor narrada por ele mesmo. Não sabemos onde ele quer chegar com isso, por que ele fala, com quem ele fala, mas logo percebemos a mágoa do personagem com a irmã.

Uma reflexão sobre ódio é feita. Uma personagem comenta sobre uma cena, sobre suas cicatrizes, seu corpo, e reflete sobre ter que repetir sua história, enquanto todos parecem buscar uma contradição, um erro de tom, um motivo para culpá-la. Ela parece estar cansada de contar o que aconteceu para tentar cativar um público que não se importa. Raquel é o nome dela. Ela é a irmã de Alexandre.

E assim segue o livro. Cada hora um personagem fala, apresentando seus pontos de vista. Assim conhecemos suas personalidades, suas memórias e os acontecimentos a partir do que nos é dado por eles. O contexto daquela trama se desenrola, ao menos inicialmente, a partir do que esses dois personagens nos contam. Só com um certo avanço na leitura que conhecemos melhor uma terceira personagem com voz: a documentarista estrangeira Brenda. A personagem que, com suas perguntas, guia todas as respostas, ainda que ela omita várias delas ao fazer suas edições no material.

A obra simula a estrutura típica de um documentário. A narração, a troca de vozes, a apresentação de materiais brutos depois dos pré-editados, tudo tem a ver com esse formato usado para contar histórias reais, colocando a discussão do papel da arte e as escolhas que envolvem esse fazer no centro da narrativa, indo além da personagem Raquel, que é artista performática, criando assim a possibilidade de embates entre a cineasta e ela e também entre Brenda e Alexandre. A construção dos personagens a partir do que eles dizem sobre si e sobre os outros, as perguntas incômodas da estrangeira, tudo isso que é posto no livro é material desse documentário-cenário e, de certa maneira, também quase personagem já que representa ali a documentarista e suas escolhas artísticas ou não.

O ódio entre os dois irmãos, algo tão íntimo e relacionado com ressentimentos do passado e do presente, se entrelaça com questões políticas do nosso tempo, como a violência, as milícias, o sexo, o discurso meritocrático e da igreja — que inclusive se confundem — , assuntos relacionados com bancos, patrocínios, perseguição da arte e a supervalorização do trabalho empreendedor como transformador e acima de todos os outros.

O corpo é também um território de batalha na obra. Raquel tem 130 quilos e seu trabalho artístico, suas mágoas, suas experiências, inclusive de violência, são relacionadas a esse fato. Isso cria uma complexidade além, tanto para a construção da personagem, quanto pra obra em si. Ela quer o direito de existir como ela é sem sofrer com o ódio que é direcionado a certos tipos de corpos. Ela, na defesa dessa pauta, de sua dor e de si mesma, se exalta em alguns momentos, se tornando inclusive arrogante. Só que ela não é uma representante típica do ódio, ela é uma vítima dele. Por mais que a própria documentarista tente colocar Alexandre e Raquel como faces de uma mesma moeda em alguns momentos, querendo exaltar a polarização, há no livro pontos que evidenciam que essa não é uma escolha tão difícil como alguns podem alegar: é civilização versus barbárie para mim, para vários nós, mas para muitos outros a disputa que se coloca no livro e na vida é entre o bem e o mal e o uso político e religioso desses termos.

Michel Laub criou uma obra que se passa em 2018, meses antes da famigerada eleição de Bolsonaro e sua trupe, mas que também narra algo anterior. Intenso, dolorido, reflexivo e capaz de nos fazer entender dois personagens complicados, ainda que um seja bem mais complicado que outro, o livro fala desse entrelaçamento de família e política, vida privada e sociedade. Como os acontecimentos políticos podem afetar nossas vidas? Nossos afetos? O que nosso corpo representa politicamente? É viável tentar uma conciliação com esse Outro? Ela é desejável? Ela é necessária? Há diálogo possível? Há alguma outra perspectiva que indique mudança nesse panorama? Todas essas perguntas que surgem durante a leitura nos incentivam a pensar nas nossas próprias relações, em como a política afeta cada uma delas, e, de forma talvez indireta, no uso da defesa da família como pauta política principal por alguns partidos e políticos, enquanto todo esse ódio, que esses grupos adoram alimentar contra diversos tipos de pessoas e ideias, fomentam rupturas, disputas, ressentimentos e violência.


O livro “Solução de dois estados” de Michel Laub será lançado oficialmente no dia 09/10, sexta-feira, mas é possível comprá-lo durante a pré-venda, garantindo um preço mais baixo do que o de estreia, pela Amazon. O link posto aqui também será válido para compras posteriores a data.

Uma semana antes do lançamento oficial, a Companhia das Letras promoveu uma Cabine de Leitura com o autor e alguns parceiros interessados em receber o livro via ebook em primeira mão e lê-lo para a conversa. O papo foi incrível. Michel compartilhou um pouco sobre seu processo criativo, suas referências e algumas opiniões com a gente, além de ter respondido perguntas nossas e do mediador.

Publicado por

Thaís Campolina

O que falta em tamanho sobra em atrevimento. Isso foi dito sobre um galinho garnisé numa revista Globo Rural dos anos 80, mas também serve pra mim.

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