
Nem o nosso lado leitor é um personagem plano. Ler é movimento, é processo, uma atividade que envolve pela sua própria natureza a dúvida e a busca. A leitura é cheia das interrogações, mesmo em um texto tomado por frases curtas e secas sempre terminadas com um ponto final. A gente nunca sabe qual livro, trecho ou palavra vai nos arrebatar e nem que horas esse arrebatamento virá. Às vezes chega de uma vez, nos tira as palavras, impossibilitando até a escrita de resenhas. Simplesmente subimos aos céus, como se o impacto do que foi dito fosse combustível de um foguete pronto para viajar por toda Via Láctea, e depois ficamos tateando nosso interior tentando entender o que nos fez voar tão longe, tão rápido. Outras vezes, o assombro surge nas brechinhas das nossas vidas, como um matinho que insiste em enfrentar o concreto para crescer. As frases vão expandindo dentro da gente até tomar todo nosso corpo, simplesmente brotam lentamente onde cabem, até tornar impossível diferenciar o que é mato, o que é pele, o que é concreto e o que é sangue.
Escrevo, busco metáforas toscas, adio a publicação desse texto por mais um dia, faço tudo para me justificar por não saber simplesmente citar três livros e dizer que eles foram os melhores do ano. Se no ato de lembrar os melhores surgiu um nome, eu dificilmente o abandonarei. Me parece injusto ignorar o trabalho de algumas sinapses para trazer aquele título com tanta convicção.
2021 foi um ano muito rico em leituras por aqui. Fazer curadoria e mediação de dois projetos literários (Leia Mulheres Divinópolis e Clube Cidade Solitária), acompanhar vários outros e fazer uma especialização em Escrita e Criação tem me ajudado a entender cada vez melhor o meu gosto, tanto no sentido estético, quanto no que se refere a temas, personagens e debates que me interessam. Esse é um processo estranho, porque é nessa hora que a gente percebe que nossa subjetividade não é tão linear quanto a gente imagina e descobre que gosta muito de ler o que nem tem tanto interesse assim em escrever e vice-versa, percebe que é uma curiosa inveterada que se perde nas leituras começadas, porque sempre existem muitas outras possíveis, ou mesmo constata a possibilidade de mudar de ideia sobre um livro, porque alguém, em um clube do livro ou resenha, disse algo que te convenceu. Para o bem ou para o mal.
Segundo o Goodreads, eu li 65 livros. Conforme minha agenda, que inclui as leituras críticas/beta que fiz e ainda não foram publicadas e livros que não encontrei no aplicativo, foram 71. Não tenho certeza desses números, confesso. Minhas anotações são apenas uma tentativa descompromissada de fazer um registro do que eu estou lendo, pensando, investigando nesse meio tempo. Os livros não terminados, alguns teoricamente sendo lidos desde janeiro de 2020, também contam algo de mim. Minhas 16 leituras que ainda estão em andamento segundo o app são compostas por um possível abandonado, duas preguicinhas, alguns esquecidos na casa dos meus pais e muitos perdidos na minha desorganização. O que significa que podemos ter muitos outros além dos 16 que o Goodreads conhece. Como eu raramente documento os títulos e autores enquanto eu ainda estou lendo, vai saber.
Gosto da ideia de documentar meus interesses, mas não sou organizada o suficiente para isso. Gosto da ideia de fazer listas de leituras preferidas, mas não sei se consigo colocar ordem no meu gosto. Sou caótica demais. Gosto de muita coisa, entre elas, tentar, porque é nas tentativas, dúvidas e busca por uma resposta que a gente encontra as melhores perguntas e cria as mais imprevisíveis categorias. Vamos pra listinha então?
Os trÊs MELHORES ROMANCES/novelas nacionais
- Os tais caquinhos – Natércia Pontes
- Ponciá Vicêncio – Conceição Evaristo
- Cidades afundam em dias normais – Aline Valek
*o livro da Natércia Pontes merece também brilhar na categoria própria de livro mais sujinho do ano, quicá da vida!
Os três MELHORES ROMANCES/novelas internacionais
- Os anos – Annie Ernaux (tradução por Marília Garcia)
- Garota, mulher, outras – Bernardine Evaristo (tradução por Camila Von Holdefer)
- Eisejuaz – Sara Gallardo (tradução por Mariana Sanchez)
as três melhores estreias recentes
- A palavra que resta – Stênio Gardel
- O diálogo – Luizza Milczanowski
- Do verbo corresponder e o que vem antes – Amanda Magalhães
Os cinco MELHORES livros de contos
- Rinha de galos – María Fernanda Ampuero (tradução por Silvia Massimini Félix)
- Redemoinho em dia quente – Jarid Arraes
- Homens que nunca conheci – Maíra Valério
- A fúria – Silvina Ocampo (tradução por Livia Deorsola)
- O som do tapa – Carla Guerson
melhor não ficção
OS seis MELHORES LIVROS DE POESIA
- Risque esta palavra – Ana Martins Marques
- A proclamação da vulgaridade: ou quantos furos uma calcinha pode ter? – Mila Teixeira
- Pânico de terrorismo – Erica Martinelli
- A libertação de Laura – Helena Zelic
- A orquestra dos inocentes condenados – Milena Martins Moura
- É feito em círculos – Gianni Gianni
narrador-personagem MAIS marcante
os três mais divertidos
*o livro de Mila Teixeira também poderia estar listado aqui
livro que mais me fez chorar
LIVRO MAIS BONITO DO ANO
Livro que ficou me assombrando
No útero não existe gravidade – Dia Nobre
*o livro não é de terror, mas ele ficou comigo depois como se fosse um fantasma
livro mais cogumelo de todos
*eu invento categorias para indicar livros que são experiências únicas!
menção honrosa
- Pequena enciclopédia de seres comuns – Maria Esther Maciel (autora) e Julia Panadés (ilustradora)
- As inseparáveis – Simone de Beauvoir
- Os despossuídos – Ursula K. Le Guin
- Declarações de uma alquimista sensível – Nayara Barros
- Uma alegria difícil – Natasha Tinet
- Torto arado – Itamar Vieira Junior
- Eu não sou a Pizarnik – Regina José Galindo (Tradução por Julya Vasconcelos)
- Tantas que aqui passaram – Maria Luiza Machado
três melhores releituras
- As coisas que perdemos no fogo – Mariana Enriquez (tradução por José Geraldo Couto)
- Fun home – Alison Bechdel (tradução por André Conti)
- Mar azul – Paloma Vidal
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