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Nina Rocha nasceu em 1992 em Montes Claros, Minas Gerais, e é formada em Comunicação Social pela UFMG. Atualmente mora, borda, pedala e escreve em Belo Horizonte. Entre suas muitas atividades, uma nova foi incluída recentemente: agora ela também vive a espera da publicação de seu primeiro livro de poesias.
“Em obras” está em pré-venda pela Benfeitoria e será publicada pela editora Urutau. Com R$5180 reais já arrecadados até o momento, a publicação já é certa, sendo o objetivo atual aumentar a tiragem, espalhando assim a voz dessa escritora pelo mundo.
Nina estreia com uma obra caracterizada por poemas que preenchem o espaço público, misturando-o com o privado. A partir dessa ocupação das ruas, bairros e estabelecimentos de detalhes cotidianos pessoais, a autora fala de coisas comuns, muitas vezes com um toque de humor, e mexe conosco a partir dos detalhes.
Sua leitura nos dá vontade de ocupar todos os espaços que nos cercam de vida, incluindo aqui até mesmo nossa própria casa, enquanto nos faz pensar em amor, troca, decepções e expectativas. O espaço, a cidade, a casa e até mesmo a memória, tudo isso na obra de Nina serve como um lembrete do presente, esse tempo marcado pelo cotidiano e o banal, que diz tanto sobre quem somos, ao evidenciar esses detalhes tão esquecidos.
Na entrevista a seguir, a autora compartilha comigo — e agora também com vocês — um pouco sobre seu processo criativo, sua relação com a escrita e a criatividade no todo, suas referências e seus projetos:
T: Escrever um livro de poesia é bem diferente de simplesmente escrever, né? A gente precisa planejar algo mais, fazer um projeto, tentar fazer ideias diferentes funcionarem juntas, fazer toda uma montagem de imagens poéticas. Como foi esse processo para você?
N: Acho que especificamente nos textos que estão nesse livro, o processo foi de muitos cortes e reescritas. Alguns dos poemas nasceram de outros textos que eu havia escrito há muito tempo atrás, alguns com mais de dez anos. Foi interessante testar novos formatos para ver o que funcionava. Eu sempre me coloquei com alguém que escreve prosa, porque achava a poesia uma coisa muito elaborada e distante de mim. Mas com essas experimentações, fui conseguindo chegar numa linguagem em que finalmente me senti confortável com os versos. Foi um processo bem gostoso de experimentar e descobrir novas formas de contar com poucas palavras.
T: Quais são seus hábitos de escrita? Como funciona seu processo criativo? Você tem alguma rotina criativa? Como você concilia seu trabalho, que envolve escrita também, com a escrita de obras literárias?
N: Eu gosto muito de escrever em caderninhos e blocos, então sempre carrego um desses itens comigo. Às vezes anoto uma palavra ou uma frase que pensei e para depois desenvolver em um texto. Acontece muito disso demorar e eu não lembrar mais qual foi a origem dessa ideia, mas é interessante porque a proposta inicial transmuta e o texto vira uma outra coisa. Eu não tenho uma rotina frequente de criação. Tem épocas em que estou super produtiva, e outras em que passo semanas sem escrever, e acho que faz parte do processo também. Não acredito que a gente precise produzir material o tempo inteiro, mas a escrita para mim funciona muito através de estímulos, então mesmo quando não estou escrevendo, essas faíscas seguem acontecendo ao redor e alimentando as ideias de um texto que ainda não foi gestado. Acontece também de notar algo novo na rotina, escutar uma história, ler algo que traz um estalo que me motiva a produzir instantaneamente. O meu processo é bem devagar e tento escrever sem cobranças. Grande parte do meu trabalho já envolve a escrita e às vezes é difícil separar a escrita do ofício da escrita recreativa. Deixo as obrigações para horário comercial e evito que essas tarefas atravessem o prazer da escrita em todos outros horários.
T: Escrever muitas vezes é visto como um ato solitário. Para você também é assim? Se não, como as outras pessoas passaram a fazer parte do seu processo criativo?
N: Muita gente tem aquela ideia do escritor recluso, antissocial, trancado dentro de casa e que faz tudo sozinho. No meu caso é exatamente o oposto. Eu gosto muito de participar de oficinas de escrita, ler textos de amigos e pedir opinião de pessoas que confio sobre minhas produções. Nesse sentindo, minha escrita é de muitas mãos.
Acho que esse tipo de troca estimula muito a criação e podem ser um pontapé inicial para ótimas ideias.
T: Você borda, cozinha, cria e testa receitas, além de desenhar e escrever, né? Como essas atividades se conectam para você?
N: Às vezes eu me deparo com essa questão existencial: qual a relação entre todas as coisas que eu faço? Porque a princípio, são totalmente distintas e um talvez pouco aleatórias. Mas acho que tem pontos em comuns que perpassam todas elas, e uma delas é a criação. Muita gente ainda tem aquela ideia de criar como um ato quase divino, que tem que vir de um momento de inspiração. Parece que ficamos esperando uma musa descer dos céus e nos dar a permissão para criar. Isso acaba tirando nosso prazer de fazer as coisas por fazer, sem ter um propósito produtivo, e tira muito a graça da criatividade e coloca ela num pedestal, como se fosse algo exclusivo a grandes artistas. Tem tanta coisa na nossa rotina que envolve criar e ter ideias, desde refogar cebolas com um tempero diferente a escrever um conto ou bordar um pano de prato com uma frase inusitada.
T: No seu livro “Em obras”, há diversas referências, indiretas e diretas, a outras artes, como a música, e também aos seus hábitos. Qual é a importância desse cotidiano de atividades, hobbies e interesses para a sua criatividade? Como suas referências te afetam na hora de fazer arte? E, claro, quais são elas?
N: Toda a importância! Eu acredito muito que o que a gente produz é um resultado do que a gente tem como referência e consome com o que a gente vivencia e percebe ao nosso redor. São os estímulos que impulsionam a criar e produzir. Essas referências acabam se tornando parte do que fazemos e do que somos, e algumas das minhas na literatura são Ana Cristina César, Angélica Freitas, Patti Smith, Drummond, Ana Martins Marques, Lydia Davis, Elvira Vigna e Wisława Szymborska.
T: E a publicação do livro? Como você tem lidado com a pré-venda e com a decisão de botar esse trabalho no mundo?
N: É um processo que dá um frio na barriga mas também traz muita empolgação. Quando finalizei o livro, ainda não tínhamos a pandemia, e a publicação em meio a todo esse caos me trouxe várias dúvidas. Mas vi a Angélica Freitas comentando em uma entrevista que deixar de fazer as nossas coisas é uma forma de desistir, e acho que concordo com isso. Fiquei pensando muito sobre o propósito de publicar um livro em 2020, mas cheguei à conclusão que conseguir fazer qualquer coisa em 2020 já é um marco.
T: Quais são seus próximos planos literários?
N: Quero montar um livro com alguns contos. Uma boa parte já escrita, mas vou a passos de formiguinha, num processo lento, sem muita pressa para publicar.
Edit posterior: Em Obras pode ser comprado no site da Editora Urutau.
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