Queijo mofado

Nhami

Esses dias me deu uma vontade enorme de comer filé ao molho gorgonzola. Quando aconteceu, eu estava passando os olhos no feed e nos stories do Instagram, mas ao contrário do que você imaginou ao ler a frase anterior não foi uma foto marcada com a hashtag #pornfood que me fez salivar. Foi outra coisa.

Eu estava no ônibus, em mais uma das minhas viagens bairro-centro cotidianas, felizmente sentada dessa vez e, bem na minha frente, dois homens conversavam empolgadamente sobre onde iam almoçar assim que desse o horário. Eu não sei exatamente o que eles faziam da vida, o que conversavam anteriormente, se eram amigos ou somente colegas de trabalho voltando para firma depois de uma visita técnica ou algo assim, eu só sei que comecei a prestar atenção no bate-papo deles porque a forma que os dois descreviam comida era única. Tinha mais prazer nas palavras desses homens do que em qualquer “hmmmmmm” já emitido pela Ana Maria Braga ou comentário feito por jurado do Top Chef ou qualquer outro programa semelhante.

A dupla falou sobre escondidinhos de carne seca, parmegianas, lasanhas, molhos de alho, o famoso arroz e feijão, as boas tilápias da região e juntos elegeram o melhor prato executivo de BH. Quando eu achei que o assunto ia finalmente morrer e algum deles ia começar a falar de novela ou futebol, um virou para o outro, como se confessasse algo que somente o outro fosse capaz de compreender, e falou: “não tem jeito, cara, todo resto é bom, mas eu quero mesmo é filé ao molho gorgonzola”.

Dessa hora, até o meu ponto chegar, eles descreveram com prazer o prato de cada um dos restaurantes que eles experimentaram juntos e separados. Dando notas, inclusive. Cremosidade, maciez da carne, precisão no sabor da gorgonzola e preço foram as principais categorias. Tudo ia muito bem. Eu, além de entretida com as salivantes descrições, anotava nomes, endereços e referências dos eleitos como preferidos no celular, até que vi a simples frase “filé filé não era, mas…” criar discórdia. E que discórdia. O assunto e talvez até mesmo a amizade daqueles homens ficou por um fio. Mas, no fim, eles encontraram concordância de novo quando o mais resistente na briga assumiu que nunca pensou que um dia ia gostar tanto de algo que tem como ingrediente principal pedaços de queijo mofado.


Esse texto foi feito a partir do #EscritaNaQuarentena, desafio de escrita criativa proposto pela Stefani Del Rio para a gente tentar se distrair um pouco durante esta pandemia. A proposta do primeiro dia era escrever uma crônica sobre um tema banal e esse foi o resultado final do meu trabalho. Saiba mais sobre a ideia nesse post do Twitter ouno Medium, participe e se divirta.

O corpo sem culpa

Ilustração minha. Descrição: som, caixa de som, símbolos musicais, balões e uma moça dançando com os escritos “O corpo é uma festa”.

Uma das frases célebres de Eduardo Galeano comenta sobre as diversas maneiras de se encarar o corpo de acordo com os ideais da igreja, da publicidade e da ciência. Para igreja, o corpo é uma culpa, para a ciência uma máquina e para publicidade um negócio. Sempre amei essa fala dele porque ela termina com o corpo se afirmando como uma uma festa.

Para mim, o corpo é uma festa. Ele funciona, diverte, às vezes se excede, faz parte da nossa identidade e é também social. Ser uma festa é o que faz com que as pessoas e instituições queiram tanto controlá-lo. Vivemos num tempo em que querem fazer com que essa festa seja comedida, funcione numa lógica de corpo-máquina. Tudo planejado, tudo medido, tudo pesado, todas as calorias contadas. A frase de Galeano precisa de uma atualização: para uma visão terrorista da saúde, que se apoia num padrão de beleza irreal, o corpo é culpado por ser orgânico e não robótico.

O corpo pode também ser máquina, não nego, mas se a gente só o define assim, a gente finge ignorar que o funcionamento dele é humano e justamente por isso às vezes ele falha, a gente exagera, a gente se diverte. Ele é mais do que funcionalidade, ele também é a gente e a ferramenta para que a gente viva conforme o que nos faz feliz.

A máquina precisa de uma quantidade certa de combustível. Nem um pouco a menos, nem um pouco a mais. Encheu o tanque, acabou. E esses tempos dizem que a gente tem que funcionar assim, como se cada refeição fosse uma ida ao posto.

O corpo é parte de nós e a gente é bicho humano, ser social, e para nós a comida tem um significado muito além desse que nos trata como maquinário. Comer é importante e não só para nos manter com o tanque cheio para os dias que irão vir, mas também porque dividir comida com alguém, cozinhar junto com o outro ou fazer uma comidinha gostosa para uma pessoa querida é parte do que entendemos como convívio humano, demonstração de carinho e conforto.

Quando a gente pega a comida e a resume em algo que tem que ser sempre funcional, a gente ignora o significado do almoço com a vó no domingo, da jantinha de aniversário de namoro e do petisco que comemos com os amigos. A comida é parte essencial de como a gente vive o mundo das relações e adicionar culpa ao ato de comer é fazer com que cada momento que deveria ser de compartilhamento, seja de culpa, sofrimento, ansiedade.

O corpo é uma festa, justamente por isso a hora de comer é mais do que simplesmente nutri-lo de forma regrada, culpada, comedida. O corpo se alimenta também dos momentos que vivemos, das relações que cultivamos e principalmente, de quão saudável nossa mente está. A culpa não tem que ter espaço na mesa, a festa que somos sim. Somos mais que funcionais.


Se você gostou desse texto, deixe um comentário, compartilhe com seus amigos e me acompanhe pelo Medium, Facebook, Twitter, Sweek, Wattpad, Tinyletter e Instagram.

O brilho no olhar da mina que sempre vem comer coxinha

Ilustração minha. Arquivo pessoal.

Durante anos, eu busquei saber onde eu guardava meu magnetismo pessoal, porque eu não conseguia perceber seus efeitos ou sua existência. Ao perceber uma investida de um moço do lugar que almocei hoje, eu descobri que algo acontece quando eu estou prestes a comer, comendo ou após comer que faz com que pessoas se interessem por mim. É a terceira vez que um homem que trabalha em algum lugar que me vende comida tenta flertar comigo e isso deve ser um sinal de que o meu grande segredo de sedução é o meu rosto iluminado, o olhar brilhante que ultrapassa a barreira dos óculos e o sorriso fácil que rola só quando tô cara a cara com alguma comida.


Postado originalmente na minha página do facebook.