Declaração de amor ao ato de dormir

Cão dormindo com cobertas

Não tem como negar a importância de uma boa noite de sono. É uma questão biológica. Sem ela não somos funcionais. Dormir mal pode acarretar problemas de saúde futuros e dores de cabeça na manhã seguinte. Mas o ato de dormir é muito mais que uma necessidade fisiológica, jamais uma perda de tempo.

Dormir. A gente percebe o tempo de acordo com esse verbo: é sempre hoje quando a gente ainda não dormiu. O amanhã é pós-sono. Meia-noite só importa na festividade do ano novo, porque, se você ainda não dormiu, pode ser meia-noite e um ou três e quinze da manhã nos outros dias que continua hoje.

Dormir cria missões: a do início e a do fim do dia. Seu dia é programado de acordo com a hora que você acorda e a que você deita. E é nesse meio tempo que cabe a maioria dos verbos. Sonhar, descansar, respirar são alguns dos poucos verbos que fazem segundo turno e estão ali de plantão, mesmo quando Morpheu faz o seu trabalho.

Dormir não é um verbo sem história. Nossos demais atos também constroem um novo jeito de fazer as coisas, mesmo as tão básicas e óbvias quanto dormir. A eletricidade, essa coisa de gente humana, criou o pisca pisca das luzes das cidades e a luz da casa, da tela do celular, do computador, da televisão mudaram o ato de dormir. Em outros tempos, dormir se relacionava diretamente com o escuro. Não só o do quarto, mas de tudo. Acordávamos com o raiar do sol e dormíamos quando ele se punha. Fogo, velas e lamparinas eram a única possibilidade de luz no meio do breu, além do brilho das estrelas e da lua.

Éramos bem parecidos com galos e galinhas. O canto do galo vem junto com o nascer do sol e ele se empoleira para dormir quando ele se põe. Na cidade grande, ouvi mais de uma vez um galo cantar noite e dia. Dependendo de onde o galo mora, o sono dele também mudou.

Dormir nos proporciona resiliência. Você deita, dorme e deixa pra trás o dia ruim pra dar lugar a uma nova manhã de possibilidades. Se não há insônia e estamos saudáveis, acordar no outro dia tem um quê de renovação.

Dormir também tem algo de cura. Outros verbos, como o remediar, vão chamar o dormir de charlatão se ele vier com esse papo, mas a verdade é que, para muitos, o sono bom sara pequenas dores, como a dor de cabeça e a tristeza passageira, e ajuda a cura do resfriadinho vir mais rápido.

Dormir também pode ser um lazer. Dormir sem colocar o despertador para tocar é um ato de liberdade, de permissão ao ócio, de descanso e curtição. Dormir de tarde, após o almoço, é um exemplo. O ritual do sono diurno envolve comer e se preparar para digestão deitado, enquanto faz alguma atividade que permita você deixar o corpo mole e a mente se desligar aos poucos. Quando você vê, você acorda com o corpo todo preguiçoso e continua descansando um tempo. Descansando do ato de dormir. Você sabe que preguiça passa se alongar, mas sabe que ainda não é a hora. O jeito é pegar uma cruzadinha pra fazer, jogar algo no celular, ligar a tevê e esperar a hora certa para levantar e se esticar de novo.

Deitar e esperar o sono tomar conta do corpo e da mente é um momento em que o corpo relaxa e a mente voa. As melhores ideias surgem nesse espaço de tempo e preguiça. É sempre difícil decidir se vale a pena deixar a mente voar livremente com suas boas ideias e correr o risco de acordar sem lembrar nenhum dos caminhos percorridos na noite anterior ou se o melhor a fazer é interromper o processo do vôo livre e despertar do sono que bate à porta anotando tudo.

Esse texto surgiu em um desses momentos pré sono. Interrompi o momento para anotar a ideia no bloco de notas do celular. Só que meu sono é pesado demais e antes mesmo de começar a escrever, mas antes de ser completamente vencida pela moleza, eu anotei no bloco de notas do meu celular apenas a frase: “carta de amor ao ato de dormir”.


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Publicado por

Thaís Campolina

O que falta em tamanho sobra em atrevimento. Isso foi dito sobre um galinho garnisé numa revista Globo Rural dos anos 80, mas também serve pra mim.

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