
Quando eu era criança, assumia identidades diversas durante as brincadeiras. Lembro das várias vezes que fui Power Ranger Amarela, de ser bruxa, fada e até pesquisadora de vida extraterrestre da NASA. Num mundo em que o número de personagens femininas interessantes tendiam a zero, minha maior aliada sempre foi a imaginação. Eu criava as personagens que me agradavam e adaptava as histórias dos desenhos para que as que já existiam tivessem vez nas brincadeiras.
Nessa época, eu até tinha ouvido falar da Mulher Maravilha, mas ela não me interessava muito, já que eu via esse nome ser mais usado para se referir às mães do que para falar da heroína da DC Comics. Ela nunca fui um ícone para mim, jamais me serviu de referência, mas para as novas gerações ela será.
“Mulher-Maravilha” foi o primeiro filme de super herói dirigido por uma mulher e teve a estreia mais lucrativa de uma diretora nas bilheterias americanas até hoje. Os recordes de bilheteria batidos pelo filme dirigido por Patty Jenkins podem abrir caminho para mais protagonistas femininas no cinema e aumentar a contratação de diretoras para filmes de maior orçamento.
A indústria do cinema ainda considera que apenas histórias masculinas — e brancas — interessam e duvida da capacidade de direção das mulheres. Patty Jenkins, que dirigiu “Monster — Desejo Assassino”, não podia falhar e sabia disso. Quando abriu mão da direção de “Thor: O mundo sombrio”, ela comentou que fez isso porque sabia que se o resultado final não fosse bem aceito, o peso disso seria bem maior por ela ser mulher. “Eu pensei que se eu dirigisse o filme (Thor 2), seria um grande desserviço às mulheres. Se eu assumir o posto sabendo que será uma enrascada, e o filme ficar ruim por minha causa, será um grande problema. Se isso acontece com um diretor homem, é apenas mais um erro do estúdio”, ela afirmou. As mulheres carregam o fardo de que seus possíveis erros e dificuldades sempre serão usados para desqualificar todas as mulheres. A cineasta sabia que se “Mulher-Maravilha” fosse um desastre, diriam que mulheres não sabem dirigir e que ninguém quer ver uma heroína nas telonas. Felizmente, isso não intimidou Patty Jenkins. Nesse projeto, ela acreditava.
O impacto do filme vai bem além da indústria do cinema, já que até eu, que tenho 27 anos e nenhuma ligação prévia com a heroína, saí do cinema me sentindo pronta para enfrentar o mundo. Diana Prince cresceu na ilha de Temiscira, cercada por amazonas e recebeu um treinamento intenso por parte de sua tia Antíope. Sua postura ao sair de onde sempre viveu não é de medo e, mesmo sem saber as regras implícitas do mundo fora de sua ilha, ela não se sente intimidada numa Londres que trata mulheres como inferiores. Mesmo subestimada, ela confia em si e em sua história e faz sempre o que quer e acredita.
Fora da ilha de Temiscira, mulheres são criadas prontas para duvidarem de si mesmas. Depois de anos sendo interrompidas, ignoradas e subestimadas, nós acabamos perdendo a capacidade de acreditar que somos capazes. A insegurança é um elemento feminino no mundo que faço parte, mas sei que pode ser diferente. Ver a Mulher-Maravilha nas telonas, e acompanhar a história de coragem de Patty Jenkins ao assumir a direção desse filme, apesar de toda pressão, me lembrou disso.
As meninas de hoje terão Diane Prince, Katniss Everdeen, Moama, Rey e muitas mulheres reais para se apegarem quando o mundo machista disser que elas não são capazes. Elas não precisarão criar personagens femininas quando quiserem um papel maior numa brincadeira, já que a cultura pop está se tornando aos poucos um espaço que nos sentimos parte. Com esse contato com protagonistas femininas, os meninos vão aprender que mulheres pertencem ao mesmo mundo que eles e que são tão aptas quanto eles a realizarem inúmeras tarefas. Ainda assim, as meninas de hoje não estarão livres de passar por muitos desafios que o machismo e outras opressões trazem, mas o caminho para a mudança está sendo traçado em todos os espaços e, com tantos exemplos reais e imaginários, elas saberão como resistir.
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