
Keanu Reeves, ator e queridinho das redes sociais, assumiu namoro com a artista plástica, pintora, escultora e cineasta Alexandra Grant e o Twitter, Facebook e Instagram foram inundados com comentários sobre eles. Entre as muitas comemorações e até brincadeiras, porque Keanu desencalhou e voltou a amar e que a escolhida não era uma modelo de 20 anos da Victoria’s Secret, havia também falas bem cruéis sobre a Alexandra.
Ainda que nem sempre com agressividade, a aparência dela se tornou pauta, como sempre se torna porque, afinal, ela é uma mulher e isso parece ser a coisa mais importante sobre uma mulher sempre. Só que o caso dela teve um plus. Keanu Reeves, 55 anos, não seguiu o padrão hollywoodiano de homens de meia idade e escolheu se relacionar com uma mulher apenas 9 anos mais nova que ele. Keanu e Alexandra estão na mesma faixa etária, são amigos de longa data e parecem estar felizes juntos, mas o que parece ter realmente chamado atenção dos fãs e curiosos é que a aparência da Alexandra em relação a sua idade. Com 46 anos e o cabelo todo branco, ela foi considerada acabada, com a aparência velha, descuidada e feia demais para ele.
Mais uma vez, uma mulher que parece ser bem interessante e talentosa, ao se tornar foco, foi julgada e desqualificada por não ter a aparência esperada ou mesmo adequada. Ainda que as pessoas adorem fazer piadas com as namoradas super jovens do Leonardo Di Caprio, no fim, ao ver um cara fazer diferente, muita gente tinha algo a dizer, ainda que discretamente, sobre a namorada do Keanu Reeves aparentar ser velha demais. E, no caso, por mais que as pessoas tenham tentado suprimir essa parte, a maioria queria dizer que ela aparentava ser velha demais para ele, que é quase uma década mais velho do que ela.
O envelhecimento feminino é tratado mesmo por quem é pra frentex como uma mácula, um defeito, algo que choca. O tom é de surpresa não só porque homens costumam buscar parceiras muito mais novas, mas porque a mulher mais velha em questão assume os brancos e parece estar tranquila sobre a sua própria aparência. Ela não parece estar lutando o tempo todo para aparentar ser mais jovem do que é.
A sensação que fica é que a mulher só pode envelhecer se for pintando o cabelo, fazendo todos os tratamentos estéticos existentes para manter o rostinho muito jovem e se apoiando no botox e na maquiagem o tempo todo. O que na prática significa que mulher não pode envelhecer, a não ser que faça de tudo para manter sua aparência como se fosse jovem, quase como se esse esforço fosse um pedido de desculpa para o mundo por ainda existir e querer viver, inclusive uma história de amor com um astro do cinema. Essas cobranças são, inclusive, um meio de controle do corpo e comportamento feminino.
O envelhecimento não segue necessariamente uma régua igual para todas as pessoas. Tem gente que aparentará ser bem mais jovem do que é e o contrário também existe. Isso depende de n coisas além de procedimentos estéticos. Pele seca, por exemplo, pode pesar bastante com o passar dos anos e a presença e persistência dos fios brancos é uma questão de fundo genético que varia bastante.
O ponto é que a gente, enquanto sociedade, se preocupa demais em julgar pessoas, especialmente mulheres, pelo seu envelhecimento. Em comentar sobre, em achar que aparentar mais nova é o melhor elogio que se pode fazer a alguém. O envelhecimento é mal visto, especialmente o feminino. E, o pior, é que a nossa noção de idade e aparência feminina adequada é bastante viciada pelos procedimentos e cuidados estéticos que nos cercam desde sempre e também pelo fato de que o peso da idade e, principalmente, da aparência dela é totalmente diferente para os homens.
Um homem grisalho não ouve que precisa se cuidar, pintar o cabelo, se valorizar. Um homem grisalho chega a ser visto como charmoso muitas vezes. Um homem grisalho é considerado sinônimo de sabedoria, amadurecimento e outros adjetivos positivos. O peso é outro e é por isso que é lugar comum para nós, enquanto sociedade, julgarmos com frequência se uma mulher parece ser mais nova ou mais velha do que é e esse julgamento carrega em si a ideia de que o envelhecimento feminino é ruim. O homem talvez até ganhe um certo valor quando envelhece, a mulher só perde. A régua do envelhecimento feminino importa tanto por isso e ela é bem mais cruel do que a régua masculina. E a gente sabe muito bem que isso tem relação com o fato de que mulheres são valorizadas quase que exclusivamente pela beleza e que a beleza em nossa cultura é considerada sinônimo de juventude. Ao menos para as mulheres.
Quando há algumas semanas comentei sobre skincare não ser sinônimo de autocuidado e nem algo tão necessário assim surgiram várias pessoas, principalmente mulheres, afirmando que ter uma rotina de skincare era essencial porque ajudava a a atrasar o envelhecimento. O argumento era esse, enquanto eu dizia que o meu incômodo com essa nova relação entre palavras que antes não andavam juntas era sobre o fato de que todo cuidado feminino parece precisar perpassar pela estética. Não há nada de novo nessa busca por preservar a beleza e a juventude. Não há nada de novo, principalmente, nisso ser visto como uma obrigação feminina. O envelhecimento, principalmente da aparência, não deve ser tratado como um pesadelo ou algo que precisa ser evitado a todo custo, principalmente para as mulheres. Tratar tentativas de atrasar o envelhecimento comum da pele como uma questão de saúde ou algo tão essencial quanto isso é um erro.
Envelhecer sendo uma mulher é ver o seu valor, perante uma sociedade objetificadora, diminuindo gradativamente. A cada ano, a cada ruga, a cada fio branco ou flacidez, se vai o que o patriarcado nos deu como moeda de troca. Nosso capital é a beleza e ela é considerada sinônimo de juventude e o seu significado perpassa pelos padrões de beleza que, por mais que tenham sofrido um pequeno abalo nos últimos anos, continuam racistas, gordofóbicos, capacitistas e etaristas.
Alexandra Grant é uma mulher que assume seus cabelos brancos aos 46 anos e que não parece estar preocupada demais com a própria aparência. O susto com o envelhecimento dela só diz o quanto nosso mundo, mesmo aquele considerado progressista, ainda está preso na ideia de que o valor de uma mulher está em sua juventude, como significado de beleza. A pira de que mulheres precisam se cuidar, como se essa busca por certa aparência significasse amor próprio, e o tempo que a gente perde com isso parece nos qualificar como mais valorosas para um homem ou mesmo para a sociedade. Só que envelhecer sendo uma mulher é algo ainda mais complicado do que aparenta. Se fizer muita plástica ou plásticas óbvias demais, a mulher é julgada por não aceitar que envelheceu e querer mudar o próprio rosto. Como se essa vontade de passar por um bisturi ou vários surgisse do nada, claro.
É sintomático que toda essa discussão tenha iniciado a partir do julgamento de uma namorada de um ator considerado bonito e, principalmente, interessante. Num mundo que vê a beleza feminina como um meio para conseguir ser a mulher de alguém e que liga relacionamento com status, todo esse bafafá em torno da figura da Alexandra mostra o quanto mulheres ainda são vistas como acessórios masculinos, não como boa companhia ou parceira. Ser interessante não vale tanto quanto ser bonita de acordo com o padrão quando falamos de mulheres, enquanto Keanu Reeves ser interessante, além de bonito, é o que o tornou queridinho nas redes sociais.
Aparentemente, muita gente considera que a Alexandra não é boa o suficiente para estar com o Keanu Reeves e isso só mostra o quanto toda nossa noção de relacionamentos, especialmente o de figuras públicas, é viciado por esses filmes em que um homem comum e de meia idade se relaciona com uma mulher deslumbrante que tem idade para ser filha, às vezes neta, dele.
Não vou falar que Alexandra é linda hoje, porque o que quero dizer é que isso não deveria ser considerado tão importante assim. Uma mulher é uma mulher, muito além de sua beleza, sua idade ou a idade que aparenta ter. Uma mulher é muito mais do que seu rosto, seu corpo e seu cabelo. Uma mulher não se resume assim. Nem um relacionamento. E eu espero que um dia a gente não precise mais afirmar isso de novo. De novo. De novo. De novo. De novo…
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