
Durante mais de 60 anos, a ex-jogadora de beisebol Terry Donahue e sua companheira Pat Henschel viveram, ao menos frente a grande parte do mundo, inclusive suas famílias, como amigas, roomates ou primas. Elas dividiram a vida como casal, mas somente na terceira idade se sentiram seguras para sair do armário, como expõe o documentário, dirigido por Chris Bolan e roteirizado por ele, Alexa L. Fogel e Brendan Mason.
Lançado pela Netflix no último 29 de abril, o filme apresenta essa história de amor com delicadeza e respeito pela trajetória das envolvidas, sem deixar de mostrar os desafios que elas tiveram que lidar para se manter seguras numa época que a homossexualidade, além de considerada doença, era também um crime nos EUA. Elas, como imigrantes canadenses, revelam, por exemplo, que nunca frequentaram bares voltados para o público lésbico com medo de serem presas, expostas e também deportadas.
Essa história é contada a partir de um novo obstáculo que elas precisam lidar: o envelhecimento e as limitações que ele pode trazer. Questão essa que atormenta diversos casais e pessoas de sexualidade não heterossexual, porque envolve uma perda de autonomia que pode acarretar uma negação de suas identidades, biografias pessoais e direitos. Afinal, se nem toda casa de repouso aceita receber dois homens ou duas mulheres como casais, imagine então familiares que se opuseram ao relacionamento ou passaram anos fingindo que ele não acontecia. Muitos, inclusive, usam o fato de alguns casais nunca terem se casado formalmente para acessar os bens de seu ente, tutelado ou morto, deixando a outra parte desamparada e sozinha. O que, felizmente, não acontece nessa narrativa que é, sobretudo, feliz.
O trunfo do documentário é expor as dificuldades que o casal enfrentou para poder viver o seu amor em segurança sem deixar de revelar as histórias e os bons momentos que elas dividiram. As inúmeras fotos das duas juntas e trechos de vídeos caseiros ajudam o espectador criar uma intimidade com a história dessas duas mulheres, mas as cartas de Pat para Terry são ainda mais especiais e servem como um meio poderoso para entender a intensidade do amor delas. E também os impedimentos, já que elas foram guardadas propositalmente rasgadas na área onde ficava a assinatura de Pat, porque elas temiam ser descobertas.
A história das duas começou nos anos 40, em 1947, pelo menos 20 anos antes da Rebelião de Stonewall, um dos principais marcos da luta LGBT nos EUA, e elas ficaram juntas — e vivas — tempo o suficiente para ver a homossexualidade deixar de ser considerada doença pela OMS em 17 de maio de 1990, 30 anos atrás, e poder se casarem numa cerimônia que uniu parentes de Terry e também a família que o casal formou em Chicago, essa composta por outras pessoas também homossexuais, como Jack Xagas e John Byrd.
“A Secret Love”, além de uma história de amor entre mulheres, é também sobre envelhecimento e o que ele pode significar para um casal, especialmente um casal homossexual, e ainda vai além, porque, ao discorrer sobre as vidas de Pat e Terry, descobrimos que Terry teve uma trajetória pioneira como atleta de beisebol, um esporte que no Brasil foi proibido para mulheres por quase 40 anos. Terry sempre desobedeceu o que era esperado de uma mulher e, segundo ela mesma, foi por isso que foi feliz. Feliz com Pat, essa que sempre gostou de poesia.
O documentário recebeu o nome “Secreto e proibido” no Brasil e pode ser visto na Netflix. Vê-lo hoje, 30 anos depois da homossexualidade ter deixado de ser considerada doença pela OMS, é uma maneira de homenagear todos os casais que viveram seus amores em segredo por medo.