As Copas e as chagas de uma realidade fantástica

Nuevo Gasómetro – Foto de divulgação

Gabriel García Márquez é considerado o pai do realismo fantástico, apesar de ter dito uma vez que sua obra representava só realismo. “A realidade que é mágica. Não invento nada. Não há uma linha nos meus livros que não seja realidade. Não tenho imaginação” disse o autor em algum contexto que não fui capaz de descobrir qual, apesar — e talvez justamente por — essa frase se repetir incansavelmente em matérias e mais matérias sobre ele, especialmente aquelas que anunciaram a sua morte em 2014.

Me volto para essa afirmação de Gabo vez ou outra nos contextos mais diferentes. Lendo “Água Funda”, único romance de Ruth Guimarães, para o meu clube de leituras, me peguei pensando nela. Nessa obra, um narrador nos conta causos e mais causos sobre uma localidade. Com um texto muito oral, próximo da linguagem caipira, Ruth apresenta para o leitor um lugar, um tempo e suas pessoas, mostrando trajetórias e o quanto o olhar dos personagens é permeado pela natureza, as relações, o mundo e seus mistérios. A cada causo, muito pela linguagem, mas não só, me vinha na mente as histórias que minha avó materna me conta sobre a mãe, suas próprias jornadas por Minas Gerais e o que, segundo ela, o povo antigo pensava sobre uma variedade de coisas. Enquanto lia, percebia palavras que fazem parte do vocabulário da minha avó, especialmente quando ela conta histórias do passado, que em muita coisa é próxima ao que escreve Ruth. A opressão, o trabalho, a natureza, as festas, o truco, tudo isso e mais o que não tem muita explicação. Sendo atravessada pela obra, também lembrei do meu avô paterno e as histórias de terror que ouvi dele. Histórias essas muito próximas das contadas no livro, todas narradas em primeira pessoa, partindo dele ou recontando o que ele ouviu que aconteceu com um amigo ou um amigo de um amigo dele. O mistério da vida todo ali, limitado apenas pelo alcance das palavras, mas exposto com toda aquela atmosfera nomeada como mágica, apesar de Gabriel e muita gente não considerar bem assim.

Gabriel García Marquéz diz ter escrito a partir das histórias e memórias que cresceu ouvindo em Aracataca, cidade colombiana onde nasceu. Ruth Guimarães foi uma pesquisadora da cultura popular com o olhar e os ouvidos atentos para recolher, registrar e estudar essas histórias que circundam as pessoas, passando pelo famoso causo, essa prosa cotidiana marcada pela troca, pela memória e pela fofoca. Ambos, ao escreverem, contaram com essa magia tão presente nesses relatos durante o processo de efabulação de suas histórias.

No discurso do Nobel em 1982, o autor colombiano disse ao falar da solidão da América Latina: “No entanto, diante da opressão, do saque e do abandono nossa resposta é a vida. Nem os dilúvios nem as pestes, nem a fome nem os cataclismos, nem sequer as guerras eternas através dos séculos e dos séculos conseguiram reduzir a vantagem tenaz da vida sobre a morte”. Relendo a frase hoje, fazendo a pesquisa para esse texto, entendi que parte dessa magia mora na capacidade de criar e se recriar, apesar de tudo. Essa figura latino-americana que Gabriel ajudou a construir, junto a outros escritores de outros países da região, é a de um sobrevivente que se alimenta, principalmente, da vontade de continuar. E, numa região como a nossa, isso significa quase que ter fé que algum outro futuro é possível. E por aqui essa fé costuma ser uma miscelânea de símbolos, origens e personagens. Enquanto humanos, criamos, contamos, formulamos tudo que move a vida partindo desse desejo-angústia e a nossa maneira de fazer isso vai muito além da racionalidade típica, cartesiana. Especialmente aqui. É preciso ter esperança, paixão, vontade, amor para continuar e nossas vidas e nossas criações são demarcadas por isso de alguma forma. E talvez essa coisa sem nome seja a explicação de parte do apreço pelo futebol que a gente vê no Brasil, na Colômbia, na Argentina, no Chile, no México e em outros países próximos.

Quando eu penso no futebol nesse contexto, me vem em mente a notícia do torcedor do Racing que comemorou o título de seu time do coração carregando o crânio de seu avô e, ao ser entrevistado, disse que aquela ossada que carregava era seu amuleto de sorte e que seu querido parente estava orgulhoso daquela vitória. Evoco também a Libertadores, com todas as suas incoerências e emoções, e a alta frequência de cães que invadem campos de futebol bem durante esse campeonato.  E, inevitavelmente, lembro do “Eu acredito” do Atlético Mineiro, esse time que me conquistou e me é tão próximo, apesar de eu não ser exatamente uma torcedora típica dele ou de qualquer outro.

O futebol, para muitos, é uma fuga da realidade, mas uma fuga marcada pela capacidade de se ter esperança na virada. A escolha do time do coração não é racional, ela vem de um outro lugar. A paixão não é, necessariamente, pela equipe que une mais talentos, probabilidades de vitórias e títulos conquistados, ela parte do afeto, do inexplicável, daquela coisa que bate ou não. Um jogador muito carismático pode mudar tudo, pode fazer o filho de uma família de cruzeirenses escolher o galo como seu amor futebolístico, porque dali surgiu uma identificação esquisita misturada com o desejo de ser, de poder.

Como tudo que vem da paixão, o futebol é marcado por uma boa dose de coisas inexplicáveis, mistérios e histórias quase mágicas. Transformamos jogos reais em momentos praticamente mitológicos e seres humanos falhos, complexos, que às vezes carregam em si defeitos e mais defeitos de toda uma cultura de reforço de uma certa masculinidade, em verdadeiros ídolos. Digo masculinidade porque é justamente por causa dela e seu machismo consequente que o futebol feminino, apesar de incrível e mexer com nosso âmago desse mesmo jeitinho, ainda é ignorado pela maioria que torce, vibra e se apaixonada por equipes, jogadores e sonhos.

Pensar na origem do amor por uma equipe, me fez recordar da informação que diz que, cientificamente, a gente gosta tanto do azarão, de torcer pelo mais fraco, porque somos motivados por uma tal de economia emocional. Torcemos assim buscando maximizar o prazer a partir do improvável, porque a perda ali, por ser esperada pela probabilidade, nos faz pensar que a vitória é um lucro maior. Entendo o argumento, faz bastante sentido até, mas a seleção brasileira, por seu penta histórico, não carrega essa pecha de fraca e duvidosa, mas ainda assim segue tendo muita torcida. Por que? Porque o Brasil vencendo, mesmo para outros países, significa também dignidade, direito de sonhar, uma vitória contra aqueles que ganham em tudo, todos esses sentimentos que ajudam a fazer do futebol esse esporte que mexe com tantos, especialmente os latino-americanos. Nossas escolhas e emoções esportivas são marcadas por aspectos sociais, políticos e, claro, emocionais. Buscamos vinganças coloniais torcendo numa Copa do Mundo organizada por uma entidade bem controversa e nos sentimos exaustos vendo os Estados Unidos no primeiro lugar do quadro de medalhas das Olimpíadas a cada 4 anos.

Escrevi tudo isso para chegar no que me deu a primeira fagulha desse texto: a morte de Diego Armando Maradona. Toda aquela comoção, dor, ilusão de proximidade e relatos emocionados me fizeram pensar nessa paixão que o esporte é capaz de fazer surgir e como as pessoas encontram em Maradonas uma esperança que representa a pulsão de vida perante a morte, a miséria, o horror, junto também ao desejo em sair por cima, porque somos humanos, afinal.

Os dois gols do Maradona contra a seleção da Inglaterra em 1986 representam isso muito bem: o gol roubado — a famigerada mão de deus — a Argentina saindo por cima da Inglaterra em algo, apesar de tudo, e o gol mais belo de todas as Copas, o gol que vem do imo, do desejo, da vontade de ser foda, do talento e da beleza que não podem ser roubados, apesar de seguirem tentando a todo custo.

Quando parei para pensar no futebol e fui parar no realismo, mágico ou não, eu cheguei a conclusão que a gente chama de magia e mistério o que envolve todas essas coisas que vem de dentro. Não sabemos como surge o amor, a paixão, o medo, o ranço, a raiva, o rancor, mas a gente conhece muito bem tudo isso. Criamos e consumimos histórias, inclusive as narrativas e vivências esportistas e os causos do cotidiano, para lidarmos com essa infinidade de coisas que não sabemos explicar muito bem, mas é um dos principais componentes humanos.

No dia 17 de maio de 2017, eu estava em Buenos Aires e, sem muito planejamento, fui parar no estádio Nuevo Gasómetro para assistir San Lorenzo versus Flamengo. O time argentino tinha perdido os dois primeiros jogos da fase de grupos da Libertadores, mas conseguiu se classificar para a fase seguinte com uma vitória de virada com gol no último minuto. Desse dia, eu me lembro do frio, por causa do estádio todo aberto e a localização bem abaixo do trópico de capricórnio, e da festa. Fui contagiada pela emoção que tomou conta da atmosfera do lugar. Eu sorria, porque sorriam, cantavam, festejavam ao meu lado, e, no meio daquele caos de sensações, ouvi uivos humanos que terminavam cantando a frase “como sufri”, porque amor, esperança e a improbabilidade tinham vencido, apesar de tudo.

Nesse dia, apesar de contagiada, eu compreendi que jamais entenderia por completo o jogo que aqueles torcedores que vibravam ao meu lado vivenciaram. Ali percebi a grandiosidade de toda essa gama de sentimentos que envolve o torcer e o ser, mas que para mim ainda parecem mais com um feitiço poderoso ou uma ficção que une cotidiano e fantástico. Agora sei que essa magia me atinge de outras formas, diferentes e semelhantes ao que o futebol é capaz de despertar. Para mim vem, inclusive, por meio da literatura, da linguagem, das pessoas e da natureza. De todo jeito, estamos todos falando de amor, paixão, esperança e desconhecido e nos conectando a partir disso. Gabo que o diga!

Estação Blogagem foi criada pela Aline Valek e pela Gabi Barbosa para movimentar a blogosfera e engajar leitores e escritores em torno dos blogs, escrita e leitura. O tema proposto para esse mês de escrita e leitura foi tarô e, durante esse período, eu postei textos escritos a partir desse estímulo. Para essa última semana, elas escolheram o naipe de copas, que é diretamente relacionado ao amor, às emoções e à água e sua imprecisão.

Acordei pronta para fazer um sete de ouros acontecer

Acervo pessoal

No dia 21 de novembro de 2020, lancei meu site de autora junto ao meu apoia.se. Apesar de simples, ambos foram fruto de um esforço cuidadoso em assumir que a escrita, a leitura e a arte no geral me interessam como ferramentas de trabalho e que toda a minha produção tem valor. Enquanto pensava em cada detalhe do site e apanhava do WordPress vez ou outra ao tentar fazer as ideias se materializarem, eu colocava a minha vontade de me assumir como esse alguém criador para enfrentar a certeza de que eu nunca serei boa o suficiente para isso.

Ao lançar meu site no mundo às 11 horas da manhã nesse sábado, mesmo sabendo que ele estava incompleto e falho, eu revelei ao mundo mais uma faceta do que faço, penso e espero de mim. Eu sempre achei que precisava estar pronta, prontíssima mesmo, para me apresentar como escritora ou qualquer outra coisa do tipo. A espera por esse momento nunca me fez bem. Com tanta expectativa envolvida, eu sequer tinha coragem de começar. Foi preciso muito esforço para compreender que tudo que envolve trabalho é diretamente relacionado com uma infinidade de processos que começam em mim, mas também refletem o mundo onde vivo. Os meus, inclusive, envolveram admitir o que realmente quero fazer da vida, ainda que o mundo desvalorize esse meu fazer e me cobre um estilo de vida a partir de um ideal capitalista e homogenizador.

Eu não sou boa em fazer dinheiro e, sinceramente, também acho que não sou boa em me apresentar profissionalmente para qualquer coisa, especialmente quando o que me interessa é justamente o que dificilmente é visto como trabalho. Apesar de ser uma fazedora, uma pessoa que bota a mão na massa e pensa, cria e realiza projetos, eu sigo tendo muita dificuldade de me ver assim. Esse site, esse apoia.se, o retorno da minha newsletter, a finalização do meu manuscrito de poesia ainda sem editora e o desenvolvimento do meu original de contos, tudo isso para mim ainda é um exercício de convencimento. Tenho tentado, tenho tentado muito, porque viver no mundo das ideias já não me é mais suficiente.

Estou aqui, fazendo, ainda que com medo, enquanto penso que cresci vendo o Coragem, o cão covarde, ou o próprio Scooby Doo agirem, mesmo assustados, seguindo uma lógica de sem querer querendo, que é o que eu fazia até então. Quando decido executar tudo isso, me planejo minimamente e me apresento, escolho a possibilidade de tentar construir um mundo que me caiba e isso é uma recusa da culpa por não ser quem esperavam que eu fosse. Chega de sem querer querendo. É hora de construir a minha casa e, ainda que alguns estejam meio capengas, eu já providenciei os principais móveis.

Estação Blogagem foi criada pela Aline Valek e pela Gabi Barbosa para movimentar a blogosfera e engajar leitores e escritores em torno dos blogs, escrita e leitura. O tema proposto para o primeiro mês foi tarô e, durante esse período, eu postarei textos escritos a partir desse estímulo. Para essa terceira semana, elas escolheram o naipe de ouros, que é diretamente relacionado à materialidade, trabalho e produtividade.

O sete de ouros é uma das cartas mais importantes do Truco, mas ela não é uma garantia de vitória. Você precisa saber quando usá-la, aliá-la a outras cartas e jogadas. Só assim você conquistará o seu tento e talvez a vitória. Por isso, a evoco nesse título para falar sobre dúvidas, colheita e coragem de tentar.

Você pode ler os meus outros textos participantes da blogagem aqui.

Minhas espadas se voltarão contra mim até que eu entenda

Stillness InMotion

Eu não sei se entendi bem o que evoca o naipe de espadas. A minha estratégia para lidar com isso então vai ser escrever sobre esse incômodo com o não saber, a trava que surge em mim toda vez que eu sei que eu não sei e tenho poucas ferramentas ou interesse ou tempo para resolver isso. A trava ganha força também a partir do meu desejo de ser muito boa em tudo que eu faço e ameaça nunca mais abrir quando a ansiedade em aprender logo, matar a curiosidade e entender mais aparece.

Ainda assim, a atração pelo desconhecido é o que mexe comigo. É uma delícia sentir o frio na barriga que o flerte com o não saber causa, ser seduzida pela curiosidade, viver a busca por algo novo mesmo sabendo que qualquer conhecimento será sempre incompleto. Vivo sempre um paradoxo: sou seduzida pela promessa do mistério, do inacabado, de uma investigação sempre pendente, mas me perco na urgência do entendimento e na possibilidade de ir sempre além.

Quando pego um texto em inglês para ler, por exemplo, ainda que eu conheça o idioma o suficiente para continuar com a leitura, eu simplesmente não consigo prosseguir por muito tempo. A cada frase, percebo que não compreendo o suficiente mesmo quando conheço todas as palavras. Não importa se o entendimento vem do contexto ou do verbete de fato, sempre sinto que algo muito grande me escapa. Na comunicação, qualquer que seja, algo sempre escapole, mas, quando envolve um outro idioma que não é o seu, a sensação é de perseguir palavras-fantasmas, sombras de uma cultura-país-falante, e, por isso, eu fujo, ainda que queira muito ficar. No fim das contas, eu só aceito perder o sentido em português.

Ninguém sabe tudo. A gente está cansado de saber disso, mas o que a gente não sabe, mas quer muito um dia saber, também diz alguma coisa. Todas essas lacunas, junto com a nossa bagagem e capacidade de conectar o que está sendo aprendido com o que veio antes e vai vir depois, também. A gente não é só o que a gente já absorveu, conheceu, estudou, acha que entendeu, a gente é também tudo aquilo que a gente procura e também o que a gente teve coragem de imaginar ou mesmo abandonar, independente se ficou ou não o desejo de voltar nessa fantasia específica e não concretizada de completude.

Somos um emaranhado de pequenos saberes que nos ensinam a fazer mais e mais perguntas. E a gente adora se perder em todas as possibilidades que elas apresentam. Sei que busco muitas certezas ainda, que me perco nesse desejo, antecipo, travo e declaro guerras e mais guerras contra eu mesma, mas escrevendo tenho percebido que o que mexe com a gente, dá o clique, nos movimenta é sempre a imaginação. E a imaginação, querendo ou não, sempre está envolvida com as forças ocultas do não saber.

Estação Blogagem foi criada pela Aline Valek e pela Gabi Barbosa para movimentar a blogosfera e engajar leitores e escritores em torno dos blogs, escrita e leitura. O tema proposto para esse mês de escrita e leitura foi tarô e, durante esse período, eu postarei textos escritos a partir desse estímulo. Para essa segunda semana, elas escolheram o naipe de espadas, que é diretamente relacionado à racionalidade, lógica e pensamentos, mas também envolve os conflitos internos que podem surgir a partir desse plano mental.

Você pode ler o meu texto da primeira semana aqui.

Jogatina ancestral

Acervo Pessoal

Minha vó carrega seus baralhos para todo lugar que vai. Sim, baralhos. No plural mesmo. Me cansei de vê-la tirando-os da bolsa para colocá-los em cima da mesa, lado a lado com a bolsinha de tentos, para sinalizar que chegou a hora de jogar. Festa de aniversário, Sexta-feira Santa, Quarta-feira de Cinzas, batizado, Natal, Páscoa, nenhuma data é sagrada demais para que não se possa jogar, provavelmente porque, implicitamente, sabemos que há algo de sacro no ritual desses jogos que passam de geração a geração. Assim aprendi a construir relações em torno dessa mesa, que ora é abundante em comida, ora se enche de cartas, sempre com muita conversa, e sei que isso é bem anterior a mim.

Minha bisavó também jogava. Talvez a mãe dela também. Não sei. As informações se perdem com o passar do tempo. Sei que ela jogava poker, apostava entre homens, ia na casa deles jogar, mesmo em um tempo em que a possibilidade de se fazer isso era limitada para mulheres. Sei também que minha avó, ainda bem novinha, aprendeu todo tipo de jogo com ela e que minha bisa era professora e ensinava crianças a ler na mesma mesa que servia vez ou outra como um palanque para ela. Você pode ler essas últimas frases e não entender o porquê delas estarem aqui, nesse texto sobre jogos de baralho, mas pra mim faz sentido. Jogos de baralho, no geral, são considerados uma diversão masculina, especialmente o truco, preferido da minha vó, e o poker, melhor jogo segundo minha bisa que nunca conheci. Minha família, ainda que reforce muitos estereótipos de gênero, sempre permitiu e incentivou que mulheres tivessem seus momentos de diversão e socialização e tem como tradição repassar essa sabedoria e toda a energia que ela evoca.

Minha vó começou a me ensinar o truco quando eu tinha seis anos. Antes disso eu já dominava burro, fedô, rouba monte e todos esses jogos que fazem muito sucesso com crianças. Só que o truco é diferente, é um aprendizado contínuo, cheio de lições. Não basta saber reconhecer um zap, um 7 de copas, uma espadilha e um 7 de ouros quando ele aparecer em sua mão, é preciso saber farejar cada uma dessas cartas, tanto no adversário, quanto no parceiro. Até hoje, quando sou dupla da minha avó, aprendo alguma tática nova, mas desde 1995 sei que é preciso fazer a primeira, chegar com o pé na porta, mostrar para o que veio.

Não fazer a primeira é um risco. Um risco de continuidade que não vale a pena correr. Essa lição minha avó aprendeu com sua mãe e ela segue reverberando em mim. A partir dela, escrevo hoje esse texto para a #EstaçãoBlogagem. Paus inicia tudo e eu não posso deixar de fazer a primeira, mesmo que meu site ainda não esteja pronto. Escrevo agora, posto no prazo da primeira rodada onde der e me dou uma chance de continuar fortalecendo meu impulso criador. É do início que se começa qualquer viagem, minha vó nascida sob o signo de Áries diz para mim, neta que tem o carneiro como ascendente, mas não acredita nessas coisas, apesar de não conseguir ignorar toda essa simbologia. Como ignorar a possibilidade mágica dos meus rituais familiares quando o zap é um quatro de paus, que no tarô e no truco costumam simbolizar a celebração de uma conquista?


Estação Blogagem foi criada pela Aline Valek e pela Gabi Barbosa para movimentar a blogosfera e engajar leitores e escritores em torno dos blogs, escrita e leitura. O tema proposto para esse mês de escrita e leitura foi tarô e, durante esse período, eu postarei textos escritos a partir desse estímulo. Para iniciar os trabalhos, elas escolheram como tema o naipe de paus, que é diretamente relacionado à energia do fogo, logo impulsionador, dinâmico e que fala com a nossa criatividade.