Descobrindo vozes

Daniela Vaz

Lady Francisco, atriz de 82 anos, já havia relatado no passado que sofreu dois estupros em sua vida e recentemente falou mais sobre. Disse que foi estuprada por um diretor da TV Globo há cerca de 50 anos e ao ser perguntada sobre o porquê de não ter denunciado respondeu: “Naquela época? Quem acreditaria em mim? Iam dizer: “Essa aí, mal chegou e já está aprontando”. Mas hoje eu faria um escândalo”.

Ela comentou também que admira o quanto mulheres tem lutado contra a violência sexual: “Tenho muito orgulho de ver o quanto a mulher evoluiu na defesa da própria dignidade. No meu tempo, a gente era estuprada e tinha de ficar quieta; hoje, um assédio repercute de tal maneira que o agressor tem de reconhecer publicamente”.

Apesar dos números de violência contra a mulher continuarem altíssimos, do machismo ser a nossa realidade e da culpabilização das vítimas de violência de gênero ainda guiar maior parte da sociedade, as coisas estão mudando lentamente. A fala de Lady Francisco evidencia isso.

O discurso do “não é não” está na boca das mulheres, juntas estamos aprendendo que a culpa da violência que sofremos não é nossa e vendo que apesar de muitos continuarem nos culpando, há quem nos apoie. Estamos assimilando que é preciso apoiar umas às outras e somando nossas vozes na hora de denunciar a violência sistêmica que nos acomete.

Quando uma mulher faz uma denúncia, bota a boca no trombone, outras mulheres se sentem encorajadas a também denunciar, falar sobre, quebrar o silêncio. Nossas histórias estão, enfim, saindo debaixo do tapete. E esses relatos nos ajudam a compreender que o machismo é estrutural e que é preciso combatê-lo em todas as esferas. Essa tomada de consciência é o que nos faz perceber a importância de colocar em prática a frase “Mexeu com uma, mexeu com todas”.


Publicado originalmente em minha página do Facebook.

Se você gostou desse texto, deixe um comentário, compartilhe com seus amigos e me acompanhe pelo Medium, Facebook, Twitter, Sweek, Wattpad, Tinyletter e Instagram.

sou dessa laia

sou da laia das mulheres odiosas
das que levantam a saia quando querem
e se metem onde não devem

sou da laia das que racham o silêncio
e não engolem palavras afiadas
nem respostas
nem histórias

sou da laia das tagarelas, matracas, faladeiras
das que não subestimam seus desejos
e enchem a boca para dizer sim e não

sou dessas com quem nem o diabo pode
da laia das degeneradas, corrompidas, decadentes,
menos mulher por achar que é gente

Se você gostou desse texto, deixe um comentário, compartilhe com seus amigos e me acompanhe pelo Medium, Facebook, Twitter, Sweek, Wattpad, Tinyletter e Instagram. Essa poesia foi originalmente publicada no portal Fazia Poesia em uma parceria feita por eles com a publicação Fale Com Elas. 

“Não” é “não”

Uma das imagens da campanha do Carnaval de Recife contra assédio.

Toda adolescente um dia leu em alguma revista teen ou ouviu de alguém que, para conquistar o crush, era preciso fazer charminho e se fazer de difícil. Somos ensinadas a jamais dar o primeiro passo, a não demonstrar que gostamos de alguém e esperar que um dia o crush nos escolha. Caso ele nos escolha, a gente precisa fingir não querer, pelo menos, no primeiro momento.

Já os meninos são ensinados que precisam pegar todas, e que as mulheres só merecem respeito caso elas resistam ao seu charme e investidas. Eles aprendem que as que escolherem dizer sim, são fáceis, galinhas, vadias, têm menos valor e merecem menos respeito. Essas mulheres perdem o direito ao não. O nome das mulheres que dizem sim quando querem é substituído por ofensas e gírias que as desumanizam. É ensinado que as mulheres que prestam são aquelas que dizem não e que precisam ser convencidas. Todo não que eles ouvem passa a ser encarado como um obstáculo a ser vencido. No fim, toda mulher se torna menos digna de respeito, porque nessa lógica tanto o não, quanto o sim, perdem a sua força.

Nisso, os meninos aprendem que o não feminino precisa de uma justificativa para ser respeitado e muitos entendem que as explicações que partem do eu feminino não têm o mesmo peso de um “eu tenho namorado”.

O jogo da conquista que nos é ensinado apaga a subjetividade das mulheres e faz com que a palavra não, dita por uma de nós, tenha uma carga menor. O nosso não é visto como duvidoso, falso, uma mentira. Assim, a gente perde o direito à negativa. Nessa visão de mundo, devemos passividade. Nosso sim é uma afronta, que merece desumanização, e o nosso não é relativo, o que nos desumaniza.

Diante desse contexto, se faz necessário dizer que não é não. O desrespeito ao não feminino faz vítimas diárias: mulheres são estupradas; mulheres temem terminar relacionamentos; mulheres são perseguidas por homens que não aceitam que elas digam “não quero mais” ou simplesmente não demonstram interesse em ter algo com eles; mulheres são assassinadas porque homens não aceitam a subjetividade feminina.

Uma cultura que relativiza o não coloca mulheres em risco, porque diminuir o peso de uma das palavras mais poderosas que existem, para apenas um gênero, é uma forma de desumanização, porque a força de nossas decisões diminui. Ter menos poder de dizer não tira de nós parte de nossa individualidade. O não é não parece óbvio, mas vai ser preciso reiterá-lo enquanto ainda formos vistas como menos gente.

A paquera não pode funcionar como um jogo que tem como único perdedor a mulher. Se ela diz sim, ela é vadia. Se ela diz não, é uma mentira.

A paquera tem que ser encarada como uma ação conjunta, na qual os envolvidos têm agência e dizem sim, não, não gosto disso, prefiro assim e têm suas falas consideradas. Há quem diga até que, quando há o “sim de imediato”, perde a graça.

Que a gente consiga, um dia, fazer com que todos saibam que é um “não” que faz “perder a graça”, acabar com a vontade.


Se você gostou do texto, me conta. É só compartilhar, recomendar, deixar seu comentário, me mandar um tweet, sinal de fumaça ou se manifestar na minha página do facebook. Acha que faltou alguma coisa? Comente comigo, acrescente algo, dê sua opinião. Escrevo para ser lida, então me ajude a ter mais leitores.