Prêmio Thaís Campolina de Literatura de 2020

ou simplesmente Melhores Leituras de 2020

Eu não sei escolher preferidos, como eu já comentei numa crônica esquisita que postei por aqui e no Medium em algum momento no ano passado, mas eu resolvi tentar.

Nessa aventura de tentar encarar minhas leituras com um olhar avaliativo, deixei me iludir com a ideia de que a restrição temporal ajudaria. (Não ajudou.) Terminei a seleção com muito custo e uma lista com mais de 20 livros tendo lido 69 títulos e gostado muito de quase todas as leituras que fiz esse ano.*

Numa tentativa de preservar meus princípios, decidi que, em vez de tentar enxugar o gelo cortando obras que não quero cortar de jeito nenhum só pra caber em um número menos exagerado, eu simplesmente vou apresentar meus favoritos por categorias.

(Isso não significa que eu não tenha criado categorias específicas só pra poder colocar algum dos livros que eu queria indicar, mas não sabia como, porque a lista não podia aumentar ainda mais ou que nas categorias desse prêmio não cabem livros já citados em outras).

Bora pra lista?

Melhor livro de contos: Coração azedo – Jenny Zhang

Melhor conto avulso: A loteria – Shirley Jackson

Melhor livro de poesia: Para o meu coração num domingo – Wislawa Szymborska

Melhor best-seller: A Casa dos espíritos – Isabel Allende

Melhor clássico: Água Funda – Ruth Guimarães

Melhor livro feminista: Mulheres, raça e classe – Angela Davis

Melhor HQ: Fun home – Alison Bechdel

Melhor livro com animal antropomorfizado: O diário de Edward, o Hamster – Mirian e Ezra Elia

O mais fofo: Soppy – Philippa Rice

3 livros que não consegui parar de ler:

Solução de dois estados – Michel Laub

Pequenos incêndios em toda parte – Celeste Ng

Fique comigo – Ayòbámi Adébáyò

Li numa sentada e amei: Se deus me chamar não vou – Mariana Salomão Carrara

Li e depois emprestei pra todo mundo: Os sete maridos de Evelyn Hugo – Taylor Jenkins Reid

Melhor livro desconfortável: A vida mentirosa dos adultos – Elena Ferrante

Melhor livro de memórias: Afetos Ferozes – Vivian Gornick

Melhor livro de não ficção: A mulher de pés descalços – Scholastique Mukasonga

Melhor releitura: A Cidade Solitária – Olivia Laing

Melhor livro de ensaios: Falso Espelho – Jia Tolentino

Melhor surpresa: O amigo – Sigrid Nunez

Se chorei e se sofri, o que vale é a força do livro que li: Bem-vindos ao paraíso – Nicole Dennis-Benn

Melhor descoberta poética: Cecilia Pavón

Quero ler mais de: Patrícia Melo, autora do “O matador”, Eliane Alves Cruz, autora de “O Crime do Cais do Valongo”, e Dany Laferriere, autor do “País sem chapéu”

* A única leitura que eu realmente não gostei foi a que fiz do “Descobri que estava morto” do J. P. Cuenca. A premissa do livro é excelente, inclusive a maneira que ele aborda a cidade e o clima de investigação, mas a narração é tão machocentrada, chata e arrogante que não rolou. Não rolou mesmo. Ainda assim, vale o lembrete que o autor está sendo perseguido judicialmente por fanáticos religiosos por causa de um tweet de protesto e tem a minha solidariedade.

Conversando com O Ano do Macaco

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Eu também daria feliz ano novo para as minhas botas, mas aqui no hemisfério sul, onde moro, não há espaço para esse tipo de calçado nessa época. No máximo, um par de tênis quando se precisa usar algo fechado e bom para andar. Desse lugar de onde leio, o Ano do Macaco já passou e parece mais distante do que está de fato. Eu que não entendo nada sobre os anos chineses ainda encaro tudo que aconteceu em 2016 como uma sucessão de piadas nonsense que saíram do controle e culminaram no ano de 2018 e depois no 2019 e agora no recém iniciado 2020.

Ainda assim, eu felicito quem e o que está ao meu lado com todo tipo de mensagem de ano novo como se essa virada não fosse uma mera ficção. Ser ficção não é um demérito necessariamente. Quanta coisa mudou em mim e no mundo por causa de uma história, de um nome, de uma prática ou de outras coisas inventadas. Tanta coisa boa surgiu da capacidade humana de criar e, caramba, tem hora que tudo que a gente quer mesmo é se deixar enganar por uma trama boba ou não. A gente não pode se esquecer disso, apesar de tudo. 2016 ou 2018, não importa, em ambos os anos algumas ficções foram tratadas como notícias reais e usadas para defender o indefensável. Ganharam eleições assim. Nem toda invenção é boa, principalmente quando elas se fingem de verdades verdadeiras e se moldam ao formato mais atraente de sensacionalismo.

Antes de continuar, preciso confessar que não sei se dialogo aqui com a Patti Smith, com a placa do Dream Motel, que na verdade é Dream Inn, com o livro no todo, com os mortos da autora, com os meus mortos, ou com você, leitor(a), que chegou desavisado(a) acreditando que esse texto seria uma simples resenha ou análise ou crítica ou ensaio comum e se deparou com um breve tratado sobre um tempo, um livro e a imaginação.

Acho que escrevo esse texto como se todos esses personagens e mais alguns estivessem frente a frente comigo, sentados numa mesa de bar ou café, me vendo falar sem parar.

Quero falar com a Patti Smith sobre envelhecimento, morte, esperança, desespero, amizade e, claro, sobre o show dela que assisti no último novembro no Popload. Talvez, no lugar de falar sobre o show, eu prefira comentar sobre o lançamento dos livros dela feito bem na véspera do festival que a trouxe para o Brasil. Foi tão bom ouvi-la falar assim, tão pertinho, quase como uma amiga. Foi tão bom ouvi-la narrar trechos do livro que agora leio, converso e carrego comigo para um café. Eu sei que no fim, o que eu faço mesmo é conversar sobre o tempo com todos dessa mesa de personagens estranhos, ainda que fique ansiosa para citar, em algum momento mais informal, que eu também gosto de jogos de tabuleiro como Bolaño, escritor ainda não lido por mim, mas sempre referenciado pela autora.

O tempo é também um lugar. Partimos sempre de uma data para olharmos para o mundo, para nós e para os outros. Patti, no Ano do Macaco, estava à espreita dos setenta anos. Eu, no ano do Cão de Terra, fiz trinta. Estranhamente, eu e ela olhamos para os mortos. Só que os dela estão cada vez mais próximos, enquanto os meus ainda moram no medo. E eu espero que eles fiquem lá por muito tempo ainda. Isso me faz pensar que o Ano do Macaco é sobre luto também, mas é um luto que vai muito além da Patti como narradora, autora e personagem. Por mais que seja ela que esteja perdendo amigos e se alimentando de memórias. O luto parece ser do mundo, como se a esperança estivesse morrendo de acordo com o passar dos dias, dos meses e, por fim, do Ano do Macaco.

2016 aqui foi um ano com impeachment, olimpíadas, Cunha preso e acidente de avião com time de futebol promissor. Também tivemos um luto coletivo por isso. Divididos, de certa forma, com nossos vizinhos colombianos que receberam a dor das famílias, amigos e fãs de uma forma impressionante. Desse lugar saímos e chegamos em 2018 com Marielle Franco assassinada, mais um luto coletivo, mas esse muitas vezes interrompido por uma espécie de polarização fabricada que dá força para o ódio, para as fake news e para a extrema-direita. Nesse ano também tivemos Bolsonaro eleito como líder do país, e depois, já em 2019, o primeiro ano de governo dele. Ele e seus apoiadores são tão movidos pela destruição que, de certa forma, muitos de nós vivemos uma espécie de melancolia coletiva agora. Ainda mais com a intensificação dos efeitos do colapso climático junto com o negacionismo crescente da ciência. Ainda mais com o genocídio da população negra justificado cada vez mais pela busca incessante por essa tal de segurança pública.

2019 também foi o ano do rompimento da barragem de rejeitos de minério em Brumadinho. Vai fazer um ano agora e eu ainda me lembro de quando li a primeira notícia e alguns dias depois passei perto do rio Paraopeba e ele já tinha uma cor diferente, de toxidade, de morte, de fim. Ainda há 17 pessoas desaparecidas. 253 mortos. Eu nem sei direito o que dizer, mas sei que certas tragédias e crimes precisam ser lembrados.

O Ano do Macaco fala de tempo. É isso. E tempo é memória, morte, momento e vida. E a gente se confunde, sonha, se perde e conversa com o que já está no passado o tempo todo. O passado importa, a memória também, quem somos perpassa por isso e é nas nossas lembranças que mantemos o que importa para nós vivo, mas talvez a gente precise falar mais de futuro ou aprender a falar de passado de uma outra forma. Não sei. Hoje, alguns dias depois do ataque ao Irã por parte dos EUA, vi muita gente falar nas redes sociais sobre o fim do mundo. Ele parece tão próximo e o meu principal impulso ao notar isso é tentar lembrar de quando ele parecia distante. Talvez eu deveria era pensar em um outro lugar e tempo em que o fim do mundo parecesse uma ficção e trabalhar para construir isso. Com certeza seria mais produtivo, mas eu sei lá se quero mesmo ser mais produtiva. Ser produtivo não está ajudando muito a gente no geral, né?

2020 é o Ano do Rato e, como sempre, eu não faço ideia do que isso significa, mas eu realmente acho que daria um bom nome de um livro que talvez narre o fim do mundo ou talvez não. Espero que não. Só consigo pensar que quero acreditar que esses ratos são fênix e que algo vai renascer dessa época e, sem perceber, sinto que comecei a conversar sobre isso com a placa da pousada que a Patti Smith se hospedou em Santa Cruz.

Ler esse livro foi um processo bem mais demorado que eu imaginava, porque eu decidi, na página 40, que eu leria para reaprender a sentir o tempo passar. Não como notícia, como cronômetro, como agenda, mas como tempo, aquele conceito que mistura o passar dos segundos, minutos, horas, dias com o clima e o efeito dele na gente e no todo. Quando terminei de ler e comecei a escrever, chovia. Agora só ameaça, mas eu me sinto estranhamente tranquila. As nuvens estão escuras, mas ontem também estava e grande parte do dia hoje foi lindo mesmo assim.


Tradutora da obra: Camila von Holdefer.


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Meu museu de papel

Em algum momento entre 24 de abril e 2 de setembro de 2007, eu estive com a escola no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo. Essa foi a primeira vez que visitei a cidade e um dos meus contatos mais esperados com a literatura, a palavra e a memória.

Lá eu ganhei uma caderneta que tem estampada uma foto da Clarice Lispector e, por incrível que pareça, eu ainda a uso. Mexer nela é muito estranho. É transitar por diversas épocas da minha vida. O passado distante, mas também aquele mais próximo, convergem no hoje, no agora.

Tem anotação de pontuações de jogos de baralho, protocolos, rascunho de trabalho de geografia, brainstorm para texto do Ativismo de Sofá, poemas que me contam sobre sofrimentos que nem lembro, lista de possíveis temas para meu TCC em Direito, trechos aleatórios de livros do Guimarães Rosa e até as anotações da palestra que dei dia 03/08 desse ano e do livro que li ontem.

É um caos, mas é um caos tão meu que é até bonito, principalmente porque toda vez que olho a capa desse caderno, eu me lembro dessa época em que eu descobria Clarice, Leminski, Caio Fernando, Carolina Maria de Jesus, Graciliano Ramos, Machado e o livro “26 poetas hoje”. Visitar esses papéis, enquanto eu escrevo o agora na folha da frente, é passear no museu particular de descobertas que me tornaram quem eu sou.


Nessa mesmíssima época, eu também descobria Fernanda Young, mas isso eu só me lembrei alguns dias depois de escrever esse texto, quando saiu nos jornais a notícia triste do falecimento da escritora. Fiz uma breve homenagem a ela e ao que ela me ensinou com sua obra em um texto que postei em minha página no Facebook na data. Confira aqui.


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