lar

Acervo Pessoal – Fotografia por Thaís Campolina

duvido dos meus contornos
da largura do meu pulso
do tamanho dos meus braços
da área das minhas coxas
de como ocupo a cama
me espalho pela casa
e pareço refletida
no espelho do banheiro

o desaparecimento
parece inevitável
uma mulher escondida
se dilui em seus pertences
e se aproxima
cada vez mais
de uma coberta
felpuda e confortável

esse poema faz parte do meu livro “eu investigo qualquer coisa sem registro”, obra que foi selecionada para publicação no concurso Poesia InCrível de 2021. se você gostou, deixe um comentário, compartilhe com seus amigos e me acompanhe também pelo Medium,  Facebook,  Twitter,  Tinyletter  e  Instagram.

Relendo “Como se fosse a casa” durante a pandemia

Se nas minhas leituras pré-pandemia, meu foco ao ler “Como se fosse a casa (uma correspondência)”, livro de Ana Martins Marques e Eduardo Jorge, era a dicotomia entre interior e exterior, a casa e a Europa, a gente e o Outro, o estar e o estar em trânsito, agora tudo mudou: a casa, a ideia de lar, o que significa morar, alugar um espaço, viver nele, numa cidade, num país.

A casa preenche meu olhar de forma quase completa, todo o mundo exterior, trazido pelos poemas do Eduardo Jorge, parecem agora uma miragem, um desejo, quase uma utopia. O mundo exterior me atravessa pela imaginação, aparece enevoado, evocando a saudade do que conheci e da possibilidade de conhecer, circular, pisar, estar de uma maneira diferente do estar entre quatro paredes, enquanto a casa se apresenta cada vez mais concreta mesmo nas suas abstrações.

Estar fora parece diferente, assim como estar dentro. Vem a ideia de casulo, de proteção, de conforto, mas também vem a angústia de nunca mais poder sair ou receber pessoas sem temer. Vem então a vontade de liberdade, mas também o medo de contaminação e uma dolorida noção de risco e culpa e de exceção.

Nos dois lugares, antes tão complementares e agora colocados como partes opostas de uma vida, há luto. Parece que nunca mais estar dentro ou fora será o mesmo.

Que saudade de ler esse livro como eu lia antes!

Esse texto foi escrito para o especial #domingodabanalidade, que faço quinzenalmente no Instagram para falar sobre livros-conforto ou algo próximo disso, mas não saiu tão banal como eu queria. A leitura de um livro, mesmo aqueles antes confortáveis, pode mudar dependendo do contexto. “Como se fosse a casa” dessa vez me fez pensar na saudade do entrelaçar dos verbos estar, morar e pertencer com as travessias, as mudanças de paisagens, a vida na cidade, no desejo de que minha casa e tudo que ela evoca volte a ser apenas uma parte muito importante da minha vida, mas não quase tudo.

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