duvido dos meus contornos da largura do meu pulso do tamanho dos meus braços da área das minhas coxas de como ocupo a cama me espalho pela casa e pareço refletida no espelho do banheiro
o desaparecimento parece inevitável uma mulher escondida se dilui em seus pertences e se aproxima cada vez mais de uma coberta felpuda e confortável
Na foto, tenho como minha extensão meu livro aberto. Levei um exemplar pra passear na praça antes de qualquer um poder fazer isso. O que é óbvio, porque coloquei meu livro em movimento desde meu 1º momento com ele, quando nem desejo ele era. Meu livro circulou muito sendo feito, quando cada cenário, testemunha, autoras, tempo e ação se apresentava pra mim. Nem sei dizer quantos animais estranhos leram esses poemas no Google Drive antes deles formarem o que tenho em mãos. O mundo virtual é pouco tangível ainda que eu consiga saber quantos clicaram nas publicações que fiz de alguns deles no meu blog. Ainda que eu saiba que tenho clique de Portugal, da Holanda e da Irlanda nos meus poemas belo-horizontinos e nos meus poemas insólitos e nos meus poemas sem nomeação e publicação conjunta. Não sei dizer quantos vão ler meus poemas no arquivo zoado disponível na Amazon. E nunca vou conseguir saber até onde esse livro vai chegar quando seus PDFs, epubs e mobis começarem a voar.
Sei mais dos exemplares físicos. Sei que eles nasceram numa gráfica, foram para editora e depois se espalharam a partir das minhas mãos, dos Correios, dos entregadores, dos divulgadores literários que eu escolhi a dedo junto da editora e da minha assessora e amiga pessoal Marcela Güther. Sei que logo estarão nas mãos de bibliotecários, professores e, espero, leitores da cidade que escolhi como minha. Sei que eles chegam semana que vem no Ceará, em Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Pernambuco. E sei que a maioria permanecerá na sua cidade-origem, se espalhando em bairros, ruas e praças que nunca pisei, porque morar em uma grande cidade não significa conhecê-la completamente. Elas são inesgotáveis.
Já estive com esses livros em mente, andei com eles na bolsa, tive que protegê-los da chuva, da cerveja e da oleosidade de mãos. Já vi um exemplar manchado de gordura e vários dos meus poemas desformatados. Já encontrei foto de poema meu em redes sociais de gente que ainda nem conheço. Já descobri o poema preferido de algumas pessoas. Nem sempre o que gostam mais coincide com a minha opinião. Ainda bem.
Quero saber um pouco do caminho que o livro vai trilhar sozinho, só o suficiente para eu eu possa imaginar onde ele pode chegar. Peço que não me contem os versos que vocês não gostaram. Deixem para falar isso quando eu não estiver olhando. Não deixem de me dizer que leram meus poemas esperando ônibus no ponto ou curtindo uma tarde numa praça. Isso é o que eu realmente quero saber.
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Colagem digital feita por mim a partir de elementos disponíveis no Canva
cabelo trançado já foi pecado trança em escamas é penteado mulher peixe cavalo
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como produzir sua própria criatura
providencie papel machê e imaginação faça aulas de biscuit cerâmica bordado bruxaria e se der tempo aprenda a lidar com lã, poções e amigurumis consulte mary shelley pense na ovelha dolly não cometa os mesmos erros que albieri veja filmes de ficção científica leia histórias de horror e algumas de amor também modele essa massa amorfa até que ela faça sentido e após terminar proteja sua criação
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oh my god
o mercado financeiro é uma partida de pingue-pongue profissional uma ficção contada como biografia séria de um homem branco qualquer uma seita que promete a reabilitação de pessoas jurídicas desesperadas um jogo de espelhos de um parque caindo aos pedaços cuidado pra não ir para o lado errado cair no conto do vigário acreditar em compliance e maquiagem contábil
há tantos caídos na base da pirâmide um mar de gente sem deus a falência é o maior dos pecados
ouço pombos e passarinhos gatos caçadores na janela cachorros ansiosos com o barulho de calçados familiares subindo as escadas duas obras ou mais na vizinhança um despertador que se esgoela
bicicletas carros ônibus dividem espaço com pessoas e carroças e sacolinhas de supermercado apinhadas de lixo
a música parece a de sempre mas é diferente alguém matou os galos e as galinhas que piavam e cantavam a alguns metros daqui em plena capital mineira
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somos animais que migram no verão
já tentei meditação yoga corrida krav magá caminhada ansiolítico terapia chás mas é só olhar para o mar que faço as pazes comigo
o problema é moro em BH
(me desculpem as capivaras o jacaré da pampulha cada dia mais gordo e tranquilo a lagoa não é suficiente: serve melhor aos meio-maratonistas)
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inventário cidade nova
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