Acervo Pessoal – Foto postada originalmente em meu Instagram
A primeira vez que li Ana Cristina César, eu consultava o livro “26 poetas hoje” procurando nomes de mulheres. Fui com a cara dela, mas não sabia se tinha gostado.
Mesmo sem saber se tinha gostado, eu continuei procurando seu nome e suas palavras onde quer que eu fosse: bibliotecas, livrarias, estantes novas ou conhecidas e, pela falta, acabava desembocando com esperança no Google Estou Com Sorte.
Ana Cristina César se transformou em uma espécie de oráculo distante, uma voz que eu queria e precisava decifrar. Ana Cristina César me desafiou a pensar em desejo, mistério, morte, língua, comunicação e entendimento. Ana Cristina César se tornou a pergunta que me levou a descobrir a poeta que eu sou, mesmo eu ainda não sabendo dizer se gosto gostando do que ela diz ou se fui apenas seduzida pelo abismo da dúvida e da vontade e a relação disso tudo com a minha descoberta do poder do prosaico.
Agora, nesses seus 70 anos que me parecem tão fictícios por sua partida tão precoce, eu me volto novamente para suas palavras. É um alívio saber que eu ainda olho para cada um dos seus poemas buscando o que eu não sei dizer, acompanhada dessa pulga atrás da orelha que nunca parou de me atormentar.
É muito estranho se eu disser que nunca deixei de escovar meus dentes sem pensar nas minhas escovas com cerdas mordidas e na força que o eu-lírico da Ana emprega nesse ato tão primordial?
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Acordei pensando em Lygia Fagundes Telles hoje, um dia após saber que ela se tornou só memória. Minha história com Lygia é confusa, cheia de idas e vindas, como a leitura de contos às vezes pede. A permanência e uma relação de continuidade é algo mais próximo dos romances e dos romancistas — gênero que a autora também explorou, mas que conheço menos — mas contos podem ser lidos esparsos e, ao mesmo tempo, com muito afinco. Você pode passar meses lendo um conto só, como você pode fazer com um romance, apesar da natureza do conto não costumar evocar esse tipo de experiência de leitura. De todo modo, lendo repetidamente ou não, um conto pode permanecer com você por muito tempo. O conto pode até tentar ser mais leve, dar a possibilidade de ser lido avulso ou mesmo ser impresso numas poucas folhas de papel e solto no mundo como um presente, mas também pode se fazer ficar, se tornar permanente dentro de cada um.
Os bons contos são como cometas que viajam pelo universo em órbitas que nem a máquina mais moderna da NASA é capaz de apreender completamente. A gente só sabe mesmo que um dia eles voltam. 76 anos depois, como o caso do cometa Halley, ou antes. E nesse retorno, ele bate diferente. Ao menos os contos da Lygia sempre foram assim pra mim: misteriosos, cheios de camadas e feitos para se deslocarem sem parar até enfim voltar para aqui dentro. E esse regresso sempre acontece quando eu estou pronta para perceber tudo diferente, ainda que eu não saiba disso na hora.
Uma temporada com uma leitura é suficiente para você ficar com alguns personagens, sensações e experiências pra sempre mesmo tendo lido apenas uma vez. Só que esses personagens, sensações e experiências se tornam uma névoa cada vez mais densa e misturada com o seu eu. No fim, você engole o que leu e o que fica é a lembrança de um prato gostoso, estranho ou incômodo que você comeu um dia. Um prato que pode ter te marcado bastante e mudado como você vê o mundo, mas ainda assim você não consegue lembrar exatamente seus sabores, distinguir cada um dos ingredientes, rememorar como estavam as texturas de cada um dos elementos formadores do prato. Você só se lembra muito bem onde ele foi comido, com quem você estava e sente saudade do momento, da experiência em si, ainda que com o tempo até ela vá perdendo seus contornos próprios.
A leitura parece ser só um engolimento, mas o que acontece quando a gente lê é outra coisa, é uma fusão. Esse é o poder de criação do leitor, o texto é digerido até tomar uma forma nova e é essa possibilidade, que sempre pode ser melhor aproveitada quando é ativado por autoras como Lygia, que torna a experiência de leitura algo único, independente do gênero do texto lido. Foi Lygia e suas camadas, seus mistérios e seu indizível que ensinou toda uma geração de leitores a criar lendo. Foi ela que nos deu as enzimas capazes de digerir a linguagem e, assim, conseguir formular a vida mesmo quando a gente não entende muita coisa dela. Foi Lygia, junto com suas amigas, que me ensinaram a ler melhor e querer fazer isso também junto de outras pessoas.
A morte de Lygia me tocou muito, mas sei que apesar da perda desse corpo, ela permanecerá viva na memória dos seus, sejam eles familiares, amigos ou mesmo somente leitores. Os relatos de descoberta de Lygia que tenho lido nas redes sociais desde ontem se entrelaçam com o da descoberta do amor pela palavra e pela arte. Leio todos eles sedenta para entender como se dá esse processo, essa conexão, essa nova história que se desenha quando alguém encontra outro alguém, especialmente quando envolve a literatura. Leio tudo isso sem parar com medo de um dia eu me esquecer que o poder da palavra e da criação também pode ser o que construímos com e a partir de outra pessoa.
E eu, triste, tristinha, agora só consigo pensar que ainda há beleza nesse planeta.
esse texto é uma adaptação da newsletter que enviei hoje para meus apoiadores indicando obras variadas de audiovisual, literatura e pintura. saiba mais sobre como me apoiar aqui. se você gostou de me ler, deixe um comentário, compartilhe com seus amigos e me acompanhe também pelo Medium, Facebook, Twitter, Tinyletter e Instagram.
Ousado e bem pensado em todos os aspectos, “Garota, mulher, outras” da Bernardine Evaristo é uma obra relevante que mescla ousadia estética – com uma estrutura narrativa sem pontos finais, cheia de quebras e sem marcação de diálogos – com uma construção de personagens impecável e uma história fragmentada, mas bem coesa.
A partir de doze perspectivas, Bernardine constrói uma colcha de retalhos com histórias que, perpassando principalmente pelo tema da filiação, contam um pouco sobre a diáspora africana e a vida das mulheres negras na Inglaterra.
O livro questiona a ideia de que as experiências e características femininas ou negras são sempre as mesmas, mostrando personagens complexas, de diferentes idades e ideologias políticas e suas vivências, inclusive em relação umas às outras. Nesse sentido, chama atenção principalmente a professora homofóbica que tem como amiga mais antiga uma mulher lésbica com histórico militante e a idosa de 93 anos a favor do Brexit que acolhe e ama sue nete Morgan ainda que não compreenda seu gênero.
Essa relação entre identidades, relações humanas e dinâmicas sociais é construída a partir de uma narração que nos permite conhecer como cada uma das personagens fala, sente, se relaciona, pensa e vê o mundo. Com referências abundantes e uso variado da linguagem, a autora e sua tradutora Camila von Holdefer recriam a sensação da oralidade aproximando o leitor de cada uma das personagens. Toda essa intimidade assim exposta produz a sensação de uma conversa íntima e nos instiga como uma bela fofoca. Essa capacidade da autora em produzir proximidade pode chegar até mesmo a ser incômoda, mas é o que ajuda a afastar esse livro de ser lido somente na chave de um caprichado estudo de personagens para uma peça de teatro.
A sensação da leitura é de às vezes nos fazer sentir no meio de um tumulto de vozes e talvez por isso mesmo, vez ou outra e dependendo do personagem, o texto até lembre o Twitter. Bernardine explora como a linguagem diz muito sobre cada falante para construir as personas dessa história, optando por não descrever diretamente as particularidades de cada uma, mas mostrar as personalidades a partir de situações, reações e pensamentos, levando em conta como a escolha das palavras diz muito sobre origens, referências, gerações, amizades e até mesmo sobre como as pessoas querem se apresentar para o mundo. A importância desse critério ganha contornos especiais na história de Morgan/Megan, mas também se faz presente na construção das diferenças entre mães e filhas.
Como essa é uma narrativa focada nas experiências de mulheres diversas e uma personagem não-binária, todas relacionadas, ao menos indiretamente, com a imigração, a violência masculina, racista, lgbtqiafóbica e xenófoba faz parte da trama, sem, no entanto, definir suas personagens somente a partir desses fatos em comum.
Chama atenção também como a autora conseguiu conduzir tantas personagens a um evento em comum, evidenciando assim seus conflitos, contradições e diferenças, mas também suas semelhanças e o mosaico que compõe, de certa forma, a Inglaterra contemporânea e sua história.
“Garota, mulher, outras” é um livro recomendadíssimo, desses que mostram que a literatura é sempre política, seja a feita por Bernardine Evaristo ou por um homem branco aleatório falando sobre escrever, e isso não diminui seu poder, alcance e impacto, inclusive estético. Se literatura serve pra gente elaborar a vida e a condição humana, ela será marcada sempre por essa batalha entre identidade e alteridade que envolve a leitura mesmo entre os mais semelhantes.
Se você gostou desse texto, deixe um comentário, compartilhe com seus amigos e me acompanhe também pelo Medium, Facebook, Twitter, Tinyletter e Instagram. Se interessou pela obra citada no texto? Compre-a com meu link da Amazon e me ajude a continuar escrevendo.Esse texto é uma versão estendida do que foi publicado no meu Instagram na data do encontro sobre a obra no Clube Cidade Solitária.
Vovó adora contar histórias da minha infância. São causos variados, alguns envolvendo viagens ao litoral, outros, festas de família, mas a maioria mesmo é sobre nosso cotidiano: minha vó contando suas memórias e eu ouvindo, minha vó me olhando e eu falando sem parar, minha vó jogando baralho e eu aprendendo com ela todas as regras, minha vó assistindo à televisão e eu observando suas reações ao Sílvio Santos ou mesmo ao Thiago Lacerda, minha vó bordando e eu dizendo que só aceitaria tentar se fosse um risco da digimon Tailmon, minha vó fazendo biscuit ou flor de meia e eu logo ao lado colando um porta-retrato de EVA com um enfeite da digimon Tailmon feito por mim como exercício da aula de artes da escola, minha vó cantando e eu no meu quarto tentando me concentrar em alguma coisa, minha vó fazendo bolo e eu fugindo da cozinha para não ter que ajudar.
Entre tantos causos possíveis, ela escolheu como história preferida a de quando ela descobriu que eu já sabia ler. Eu tinha três anos, quase quatro, e parei frente ao portão do quintal da minha casa, olhei para o cadeado dependurado e soletrei Papaiz, depois juntei as sílabas e formei a palavra. Vovó falou “mas você já sabe ler, menina?” e eu, fingindo que aquilo não era importante pra mim, simplesmente disse “claro que eu sei”. Ela sempre ri quando conta essa história, um riso que parece dizer que a surpresa dela foi sempre uma piada, como se fizesse questão de repassar essa memória simplesmente porque aquela cena foi o momento que ela me descobriu, viu o que me tornava Thaís. De certa forma, foi isso mesmo o que aconteceu. Ouvi tanto essa história que me tornei leitora. Ouvi tanto essa história que entendi que por mais que minha avó me cobrasse que eu aprendesse o que toda meninA deve saber, ela tinha certeza que isso nunca me bastaria. Ouvi tanto essa história que entendi que a curiosidade era a principal característica que nos unia, aquilo que deu a liga ao nosso gosto em comum em ouvir e descobrir histórias. A partir da narração dessa memória, minha vó teceu nossa filiação, nossa semelhança, nossa conexão às vezes desconectada. Vovó me construiu leitora quando me viu uma.
Nos meus ouvidos atentos por histórias, a leitora já existia. Na observação dos comportamentos ao redor, também. Na minha vontade de falar tudo que eu sentia, vivenciava, descobria e, principalmente, inventava, mais ainda. Vovó conta a descoberta dela como se esse momento fosse a história de origem de uma super-heroína da linguagem que ela acredita que eu sou.
A história sempre vem com algum comentário. Ela complementa dizendo que eu não parava quieta, queria tudo e pulava de galho em galho atrás da próxima palavra. Essa energia minha, na voz da minha vó, nunca teve tom de crítica direta. Vovó sempre me pareceu se encantar com o tanto que eu, teoricamente, era difícil, como se certos defeitos meus fizessem parte desse pacote maior que me tornava eu.
Vovó gostava de ler histórias de mistério. Hoje não mais. Cansou disso. Minha primeira vez com Agatha Christie foi com um livro dela caindo aos pedaços, numa época em que ela ainda gostava dessas coisas. Ela tem lido menos e preferido formas breves, mas contado e recontado mais histórias, descobrindo, agora que os olhos se cansam fácil das letras, uma veia cronista cansada, mas firme. Grata também.
Não sei como minha vó me vê hoje. Sei que ela não parece se decepcionar com quem me tornei, mesmo eu não tendo uma carreira brilhante. Talvez isso seja vestígio do machismo de sua época, inclusive, mas isso não importa agora. Me conforta, na verdade. Me parece que para ela a minha característica leitora não me fazia prometer nada além de uma boa conversa. Só que isso me lembra que ela quer que eu tente participar do programa “Quem quer ser um milionário?” do Luciano Huck desde que era Show do Milhão do Silvio Santos. Ela jura que eu ganharia meu milhão assim. É, talvez haja alguma expectativa. Ela deve esperar que eu faça alguma coisa com tanta vontade de ler o mundo. Alguma coisa que renda dinheiro. Talvez prestígio também. Como todo mundo espera, inclusive eu. Ela quer uma cena nova que me defina, como foi a do cadeado Papaiz. Uma cena que mostre que as palavras dela criaram a super-heroína da linguagem que ela vê. Sei que ela espera algo mais grandioso, mais capitalista talvez, mas eu vejo essa cena acontecer toda vez que medeio um clube de leitura, converso sobre um livro, falo sobre o que eu escrevo. Ou escrevo. Ou simplesmente leio. Ou paro para ouvir uma história que só ela pode contar e leio a mais recente folha de caderno que ela preencheu pra mim e me entregou se desculpando pelos possíveis erros ortográficos de quem só estudou até a 3ª série.
Vovó, eu estou aqui criando e recriando a cena que você adora contar mesmo que você não note e isso me conforta. Vovó, eu estou aqui usando as palavras pra contar nossas histórias. Vovó, eu ainda pulo de galho em galho atrás da próxima palavra, da próxima história, da próxima chance de conexão.
“O diálogo”, livro de estreia da Luizza Milczanowski, é um romance angustiante sobre trauma, memória e formulação. A partir da morte de Leonardo C., a protagonista da obra se vê imersa em sua própria história, tentando mais uma vez elaborar tudo que viveu.
Essa personagem não nomeada reflete sobre quem ela foi, o que não chegou a dizer e o que nunca poderá ser respondido ou mesmo perguntado e pensa muito no Diálogo comprido que queria ter para tentar encontrar alguma explicação possível para tudo que ela viveu. Entretanto, ela não apresenta sua experiência a partir da primeira pessoa. Não seria capaz de fazê-lo. Conhecemos a história d’A Menina por um narrador onipresente o suficiente para conhecer todos os pensamentos e sentimentos da personagem, mas ainda assim quase incapaz de contar algo além dela. Nesse sentido há somente reflexões quase ensaísticas sobre a existência, a ideia de escolha, a literatura, a criação, a verdade e a filosofia, sendo que o que vem nessa forma também parece surgir a partir d’A Menina, como parte do processo de (in)digestão do que está sendo narrado. Narrador e personagem principal se retroalimentam, apesar da terceira pessoa. O “Ela” parece ser o único meio de contar, uma ficção da protagonista para conseguir dizer o que precisa ser dito, a possibilidade da elaboração. Isso se evidencia, principalmente, nas repetições e no ir e voltar ao passado.
Luizza Milczanowski escreveu uma história sobre sobrevivência, dessas cheias de camadas, como a memória, mesmo emulada, sempre é. Dessa forma, apresenta para o leitor uma personagem complexa, vítima de um homem com nome e sobrenome, mas vítima também de um todo que parece ter começado a engoli-la lá atrás, antes mesmo desse homem surgir e ficar. Vítima antes de saber que era vítima. Vítima que se moldou, como muitas outras, a partir dos primeiros “seja boazinha”, “obedeça” e “homens são assim mesmo”.
“O diálogo” é um desses livros que a gente lê de em um fôlego só, mas não entende bem o porquê. Tudo já aconteceu, já é passado, apesar de afetar tanto o presente da personagem. Lemos porque inicialmente queremos saber e, depois, porque também queremos entender. Somos guiados pelas aflições d’A Menina, pelas lembranças dela e por todas as reflexões sobre sua busca pelo que aprendemos a chamar de amor. A gente quer saber como ela se livrou de Leonardo C., mas já sabendo que, mesmo depois do que aconteceu, algo dele continuou vivo dentro dela, a vampirizando até aquele momento.
Vítimas perfeitas para Leonardos se constroem a muitas mãos e o diálogo impossível que A Menina busca com ele acaba vindo a acontecer, de certa forma, entre a personagem e o leitor que se descobre, a cada palavra, parte de uma sociedade que nega amparo, enquanto propagandeia querer preservar a pureza das crianças, e que silencia e torna vivências traumáticas e violentas um segredo vergonhoso.
A autora surpreende, porque escreve sobre violência, infância e trauma sem medo de mostrar seus muitos desdobramentos possíveis e usa a literatura e a escrita para falar sobre voz, silenciamento, sociedade, morte e memória.
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Se nas minhas leituras pré-pandemia, meu foco ao ler “Como se fosse a casa (uma correspondência)”, livro de Ana Martins Marques e Eduardo Jorge, era a dicotomia entre interior e exterior, a casa e a Europa, a gente e o Outro, o estar e o estar em trânsito, agora tudo mudou: a casa, a ideia de lar, o que significa morar, alugar um espaço, viver nele, numa cidade, num país.
A casa preenche meu olhar de forma quase completa, todo o mundo exterior, trazido pelos poemas do Eduardo Jorge, parecem agora uma miragem, um desejo, quase uma utopia. O mundo exterior me atravessa pela imaginação, aparece enevoado, evocando a saudade do que conheci e da possibilidade de conhecer, circular, pisar, estar de uma maneira diferente do estar entre quatro paredes, enquanto a casa se apresenta cada vez mais concreta mesmo nas suas abstrações.
Estar fora parece diferente, assim como estar dentro. Vem a ideia de casulo, de proteção, de conforto, mas também vem a angústia de nunca mais poder sair ou receber pessoas sem temer. Vem então a vontade de liberdade, mas também o medo de contaminação e uma dolorida noção de risco e culpa e de exceção.
Nos dois lugares, antes tão complementares e agora colocados como partes opostas de uma vida, há luto. Parece que nunca mais estar dentro ou fora será o mesmo.
Que saudade de ler esse livro como eu lia antes!
Esse texto foi escrito para o especial #domingodabanalidade, que faço quinzenalmente no Instagram para falar sobre livros-conforto ou algo próximo disso, mas não saiu tão banal como eu queria. A leitura de um livro, mesmo aqueles antes confortáveis, pode mudar dependendo do contexto. “Como se fosse a casa” dessa vez me fez pensar na saudade do entrelaçar dos verbos estar, morar e pertencer com as travessias, as mudanças de paisagens, a vida na cidade, no desejo de que minha casa e tudo que ela evoca volte a ser apenas uma parte muito importante da minha vida, mas não quase tudo.
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Vale a pena a gente parar para pensar no quanto a leitura é uma atividade diversa: um livro pode ser prazeroso, apaixonante, tenso, triste, fofo, sensível, boa companhia, contemplativo, incômodo, chato, bonito, longo, curto, ilustrado, cheio de fotografias, em áudio, lido em voz alta, escrito em braile, complicado demais, divertido, de consulta, difícil, informativo, fluido, lento, imersivo, artesanal, independente, digital, fraco, cheio de plot twists, fonte de conhecimento científico e também de sentimentos, impressões e reflexões.
A gente lê por muitos motivos, mas não dá pra negar que o maior atrativo de qualquer leitura é a possibilidade de criar alguma coisa aqui dentro.
Nas palavras e nas imagens alheias, a gente encontra somente uma parte de todo um universo que um livro pode oferecer. A outra está dentro de nós e a aventura de qualquer livro está em descobrir isso e sair conectando histórias, informações, interpretações e imaginação com o mundo de referências, memórias e vivências que nos compõem.
Lemos buscando esse movimento e assim vamos descobrindo quem somos, onde estamos, que mundo é esse e também o Outro e todo o universo que a descoberta da alteridade pode oferecer.
Por essas e outras, surge a necessidade de falarmos sempre em promoção da bibliodiversidade e combater tudo que busca restringir nosso acesso. O que significa nesse momento um foda-se para Paulo Guedes, um outro foda-se para Bolsonaro e mais um foda-se para todas as políticas e pessoas que atacam o livro, a cultura, a educação e a pesquisa!
Ler para mim sempre foi um prazer e por muito tempo eu não tive o hábito de anotar e contabilizar o que eu lia, criar metas ou qualquer coisa do tipo. Meus hábitos de leitura sempre foram freestyle e eu gostava disso, mas a vida foi acontecendo, as redes sociais foram se firmando na minha vida como um meio de conexão e troca, e aos poucos fui sentindo a necessidade de anotar o que eu leio e, mais recentemente, o que compro ou ganho. O que não significa o fim do freestyle, que fique claro. Seguirei sendo aleatória, como sempre fui, lendo sem parar quando dá na telha, enquanto também passo duas semanas ou mais sem tocar num livro fazendo outras coisas, mas agora serei uma aleatória com um pouco mais de foco frente a minha estante. (Vocês não fazem ideia do quanto eu demoro para escolher uma leitura!)
Com a criação, organização e mediação do Clube Cidade Solitária junto a responsabilidade de guiar e mediar o Leia Mulheres Divinópolis, passei a sentir uma maior necessidade de planejamento de leituras, por motivos financeiros até. É importante priorizar os livros que já tenho em casa, né? Agora, pela primeira vez na vida, vou criar uma meta literária e, ainda por cima, vou fazer isso de maneira pública. Mas, já aviso, essa lista é mais sobre sugestões e prioridades de leitura do que qualquer coisa, viu? Não vou encará-la como uma obrigação ou qualquer coisa parecida, até porque os clubes que medio é que mandam em mim de verdade. É bem possível, inclusive, que vários listados aqui acabem ficando para o ano que vem e, se isso acontecer, tudo bem.
Não coloquei nessa lista nenhum dos livros previstos para o Clube Cidade Solitária, porque a prévia deles já foi listada no perfil do clubinho. Como imagino que muitos de vocês talvez queiram saber quais são eles, até para poder se programar para ler, deixarei o link para os dois posts que anunciam os spoilers de 2021 aqui e aqui. Os encontros do “Um defeito de cor” da Ana Maria Gonçalves” e do “Torto Arado” do Itamar Vieira Junior já tem datas marcadas, viu?
Observação: também deixei de fora dessa lista livros de poesia, porque prefiro lê-los bem livremente, sem obrigação inclusive de seguir a ordem dos poemas ou ter data pra terminar. Sei que quero ler pela primeira vez e/ou continuar lendo Wislawa Szymborska, Francisco Mallmann, Ana Elisa Ribeiro, Alejandra Pizarnik, Gabriela Mistral, Ana Martins Marques, Anna Clara de Vitto, Jarid Arraes, Pilar Bu, Cecília Pavon, Angélica Freitas, Emily Dickinson, Adélia Prado, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Primo Levi, Yasmin Nigri, Marília Garcia, Adília Lopes, Audre Lorde, Mel Duarte, Lubi Prates e Nina Rizzi.
Tenho visto muita gente pedindo dicas de livros disponíveis no Kindle Unlimited ultimamente, assinando o serviço pela primeira vez ou perguntando se o catálogo disponível vale ou não a pena. Por isso, decidi montar uma listinha com algumas dicas que podem ajudar os assinantes ou possíveis assinantes a aproveitarem melhor o que o K.U. tem a oferecer.
A primeira e mais importante recomendação é lembrar vocês, leitores, que os títulos do catálogo do Kindle Unlimited podem mudar a qualquer momento. O que, por óbvio, pode tornar as obras aqui listadas obsoletas nesse sentido mais cedo ou mais tarde. Por isso, além de recomendar títulos específicos, tentei comentar também um pouco sobre os livros e contos que podem ser adquiridos por fora da assinatura.
Antes de conferir a lista, lembre-se que explorar e sair da sua zona de conforto literária também pode ser muito interessante e a facilidade para se fazer isso a partir do K.U. é uma de suas maiores vantagens.
Esse romance em verso narrado em primeira pessoa por uma mulher durante diferentes idades foi premiado pelo Prêmio São Paulo de Literatura em 2018. Sensível, impactante e de certa forma violento, o livro mexe com o leitor de maneira profunda ao falar sobre as perdas que podem acontecer na vida de uma mulher. Leia minha resenha completa aqui.
Ana Paula Maia é uma das escritoras brasileiras mais originais da atualidade. Com histórias que abordam temas como violência, sangue, morte e sobrevivência, ela produz uma literatura marcante e de alta qualidade. A originalidade desse mundo criado pela autora se repete em diversos de seus livros, assim como o personagem Edgar Wilson. Além do título já citado, os livros “Carvão Animal” e “De gados e homens” também estão disponíveis no serviço.
Assim como o livro “O peso do Pássaro Morto”, esse romance publicado pela Editora Nós, também é narrado pela protagonista e também aborda com uma delicadeza tremenda questões que permeiam a existência, especialmente a feminina. Mas, diferente do livro da Aline Bei, “Se deus me chamar não vou” é escrito inteiramente por uma criança de onze anos, fala também sobre escrita e aborda o tema da família de um jeito muito atual. Solidão, insegurança e relações familiares e escolares são o foco dessa obra.
El Salvador sob a ótica de um homem que odeia esse país, odeia militares e odeia quase todas as outras coisas que existem. É intenso, incômodo e diz muito sobre a América Latina. Além de ser também uma forma de paródia literária. O personagem do livro tem todo um discurso inflamado, às vezes verdadeiro, às vezes cruel, às vezes até elitista. A leitura é bem interessante, porque você entende alguns incômodos do personagem, enquanto o considera um insuportável. Bem escrito e provocativo, a obra nos ajuda a pensar sobre a força do militarismo e do discurso meritocrático na região. (Tradução: Antônio Xerxenesky).
Também da Editora Nós, esse livro fala da complexidade das relações humanas, das cicatrizes que carregamos e como a vida é feita de costuras, suturas e questões que surgem nos momentos mais banais. “Costuras para fora” reúne vinte contos que parecem fazer a gente perceber o quanto a certeza não faz parte da vida. Um dos trunfos do livro é a presença de vários personagens não heterossexuais e histórias que exploram questões comuns com uma atenção especial.
A autora, estreante, foi uma das selecionadas pela 1ª Edição do Edital de Publicação de Livros para Estreantes da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.
Uma das obras mais interessantes do aclamado escritor chileno Alejandro Zambra, “Múltipla escolha” é um livro estruturado como se fosse um vestibular, no caso um vestibular específico aplicado de 1966 a 2002 aos candidatos a vagas em universidades no Chile. O formato curioso é ousado, mas isso não ocasiona qualquer perda na qualidade do texto literário. Ainda que tenha passagens marcadas por um certo humor, questões sociais, éticas e morais permeiam todo o texto. Questões relacionadas ao passado ditatorial do país, críticas ao mundo desigual e ao formato da educação tradicional ser limitante e talvez até autoritária são alguns dos pontos abordados pelo livro. Assim como o Asco, essa obra também dialoga bastante com a América Latina no todo. (Tradução: Miguel Del Castillo).
Também contemplada pela 1ª Edição do Edital de Publicação de Livros para Estreantes da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, Gabriela Soutello apresenta, pela editora Pólen e selo Ferina, uma obra híbrida e cheia de ritmo, que reúne contos sobre solidão e relações entre mulheres formando, para muitos, um único universo.
Essa é uma dica especial para quem gosta de acompanhar os contos da Seane Melo aqui no Medium. Essa é uma obra interessante para quem curte explorar histórias que falam sobre sexo e relacionamentos em um tom moderno e realista. Como leitora, posso afirmar que apesar de não ser bem a minha zona de conforto literária, gostei bastante do humor e do uso de elementos da contemporaneidade. Conheça mais sobre a editora Quintal aqui.
Considerado um dos 100 melhores livros de todos os tempos pelo The Guardian em maio de 2002 e listado posteriormente pela Time de outubro de 2005 como um dos 100 melhores livros em inglês escritos desde 1923, Mrs. Dalloway tem uma versão disponível no catálogo. Com tradução de Denise Bottmann, você pode conhecer os pensamentos de Clarissa, uma socialite ficcional que vive na Inglaterra pós-Primeira Guerra Mundial.
Como um matador de aluguel se cria? Patrícia Melo, que fala bastante de violência, poder, desigualdade, ódio e masculinidade, nos conta nessa obra de ficção que tanto dialoga com a realidade.
Além de livros completos, há muitos contos avulsos no Kindle Unlimited. Durante minhas assinaturas, tentei ler algumas obras de autores nacionais para conhecer trabalhos de escritores contemporâneos que se lançaram de forma independente a partir da ferramenta de autopublicação da Amazon. Segue então algumas dicas:
Contos de Olívia Pilar
Olívia Pilar foi um dos meus achados preferidos. Para quem gosta de histórias de amor com toques cotidianos e se liga em questões como representatividade de pessoas negras e sáficas, recomendo. Entre estantesfoi minha história preferida, mas Pétala e Dia de Domingo também valem a pena.
Contos de Clara Madrigano
Os melhores contos soltos que li na plataforma foram os da Clara, provavelmente porque as temáticas que ela aborda são as mais próximas do meu gosto padrão para leituras rápidas. A autora é ótima para criar suspense e é capaz de formular histórias muito incômodas mesmo usando poucas páginas. Dela recomendo Dodge, que é o meu preferido, e o Boneca.
Nesse conto, o Nordeste não faz mais parte do Brasil e coisas estranhas acontecem. O fantástico nessa história não aparece no formato de sempre. Quem gosta do filme Bacurau provavelmente vai gostar dessa história. Como é um conto curto, parece a introdução de um universo ficcional mais amplo, mas funciona bem sozinho.
Assim como Olívia Pilar, Lethycia oferece uma história fofa e curta sobre amor entre mulheres. Leitura fluida, rápida, leve e bem jovem. Um dos trunfos do livro é a maneira que ela aborda a questão da internet como um meio de conhecer pessoas e fazer amigos.
Raízes de fogo, de Carol Vidal, é sobre a importância de voltar às origens, tirar certas narrativas da invisibilidade e assim achar seu espaço no mundo. Um dos trunfos do conto é que seu enredo acontece no norte do Brasil e a fantasia que o envolve fala de magia, museus, retorno às heranças ancestrais e investigação de artefatos de povos originários. Resenha aqui.
Depois do texto já construído e estruturado, me lembrei de algumas outras obras que li fora da assinatura do Kindle Unlimited, mas que depois descobri que também estão disponíveis no serviço:
Dica extra para fãs de livros que exploram muito a linguagem!
Desesterro da Sheyla Smanioto venceu o Prêmio SESC de Literatura na categoria Romance em 2015. Esse é um livro cheio de cenas que parecem misturar sonhos e memórias, vozes e mulheres, tudo construído com um certo lirismo que torna a obra interessantíssima. O livro também aborda a sobrevivência e a morte na pobreza e como a miséria afeta as mulheres. Além de ser uma obra escrita de uma maneira que faz o leitor ficar perdido no tempo/espaço, o que parece indicar repetição, memória e sonho.
Dica extra para fãs de livros que falam de memória, solidão e cotidiano!
Mar Azul da Paloma Vidal é um livro que trabalha temas como amizade, saudade, conexão, morte do pai, estar e não estar, solidão e memória a partir do cotidiano de uma mulher já idosa que agora vive em terra estrangeira. Esse é um livro que li numa era pré-Kindle e amei tanto que assim que descobri que ele estava disponível também para os assinantes do KU, tive que vir adicionar a dica na lista.
Se interessou em assinar o Kindle Unlimited? Clique aqui caso a promoção em destaque acima não seja válida para você. Está pensando em comprar um e-reader? Saiba mais sobre os modelos de Kindle disponíveis aqui. O meu é o novo Kindle Paperwhite à prova d’água, mas há outras opções que podem caber melhor na sua rotina e no seu bolso.
Já tem uns dias que quero escrever sobre esse livro da Aline Bei. Até pensei em um bom título — “O peso do Pássaro Morto: corpo, trauma e solidão” — mas nada sai. Alguns livros são irresenháveis por mim. O título pomposo e um parágrafo introdutório que não diz muita coisa ficam eternamente no rascunho, enquanto me coço para comentar todos os detalhes que quero destacar sem me importar com spoilers.
Um saco isso de spoilers, né? A gente escreve sobre livros muitas vezes só porque a gente quer falar sobre eles, mas essa limitação estraga tudo. Talvez seja por isso que eu agora só queira saber de promover leituras coletivas. Nesse tipo de espaço, todo mundo já leu e spoilers são liberados e a gente pode ficar falando numa boa do que seria proibido em uma resenha. Falando nisso, sabia que “O peso do pássaro morto” foi um dos livros mais lidos nos clubes do Leia Mulheres ano passado? Tá vendo? Todo mundo quer ler e comentar. Talvez contar uma história própria que dialogue com a do livro. Falar de forma genérica não tem muita graça. Aposto que em todo encontro teve alguém falando: “Avassalador”. Eu sei que eu falaria. Talvez também tenha sempre alguém que não consegue conter as lágrimas.
Nessa luta para escrever alguma coisa sobre o livro da Aline Bei, ontem consegui formular toda uma estrutura e várias ideias. Um dos parágrafos que pensei era muito bom e tinha só spoilers leves, aqueles que só provocam o leitor a procurar o livro com tanta avidez que ele até clica e compra um exemplar usando o meu link da Amazon. O problema é que fiz isso alguns segundos antes de dormir e dormi. Muitas vezes quando isso acontece, assim que começo a escrever a resenha no outro dia, me lembro o que queria dizer e tudo funciona muito bem, só que hoje acordei no susto, com um barulho de Mate Couro caindo no chão, estourando e molhando meu gato inteiro de refrigerante. A primeira coisa que fiz ao acordar não foi escovar dentes, fazer xixi, beber água ou pegar o celular, foi passar shampoo a seco em um gato bonito demais para ser verdade. O que significa que eu esqueci o que ia escrever e nem ler os destaques que fiz no livro no Kindle adianta alguma coisa agora. O Mate Couro caiu, estourou e todas as minhas melhores ideias foram para o ralo.
Lembro que em algum momento eu ia dizer que Aline Bei ganhou com esse livro o Prêmio São Paulo de Literatura de 2018 na categoria Melhor Romance de Autor com Menos de 40 anos. Um prêmio é sempre um prêmio, né? Acho uma boa jogada para convencer o leitor lembrar que a obra já foi lida, validada e aplaudida não só por mim, a autora da resenha. Só que uma resenha nunca pode falar só sobre isso. Ela fica sem alma. Ainda que eu não acredite em alma, acho que resenhas possuem uma e essa alma pode escapar do texto se você for formal demais e esquecer de acrescentar suas impressões pessoais da leitura. O problema dessa minha resenha entretanto é justamente o contrário. Ela tem a alma já sebosa de tanta informação pessoal não solicitada.
O livro, narrado em primeira pessoa em verso, começa com as memórias dos oito anos dessa protagonista sem nome, mesma idade que começa o livro de memórias da Vivian Gornick chamado “Afetos Ferozes”*. Oito anos parece ser um marco na memória de personagens reais ou ficcionais. Oito anos parece ser uma idade em que passamos a ter noção do nosso corpo, do corpo do outro e nossa identidade já existe o suficiente para que as lembranças que ficam fiquem mesmo e pareçam ser nossas. Oito anos é a idade em que nos tornamos um pouco mais sólidos e fixos. Provavelmente porque é quando paramos um pouco de orbitar em torno de nossos pais.
Os oito anos da personagem sem nome que protagoniza o livro da Aline Bei também é um marco porque é a idade que ela tem quando começa a perder, ou melhor, sofre sua primeira perda. E esse livro é um livro sobre perdas e como elas nos afetam e como certas perdas são bem específicas do gênero feminino. A própria autora falou uma vez que quando decidiu escrever sobre perdas sabia que a protagonista-narradora teria que ser uma mulher, por causa de toda opressão que cerca a existência feminina. Por isso é triste, avassalador e impactante. E esse sofrimento se intensifica porque essa história mostra o quanto o trauma dessas perdas torna a dona delas mais solitária. Os traumas criam mais um obstáculo entre ela e o mundo, inclusive o filho.
Só que o livro não fica só nos oito anos dessa mulher. A criança de imaginação fértil que de repente precisa aprender a lidar com a morte, segue. E dali avança aos dezessete, aos dezoito, aos vinte e oito e vai indo até os cinquenta e dois anos, enquanto tenta ser uma pessoa, não só uma acúmulo de perdas, culpas e memórias. E, apesar de tudo, ela vive, ela continua, ela existe, ela está ali até deixar de estar.
E também, apesar de tudo, acho que terminei essa resenha.
*Tem leitura coletiva organizada por mim sobre o livro Afetos Ferozes rolando agora em junho/julho. Saiba mais aqui.