Museu do futebol: o meu e o do Pacaembu

Eu devia ter uns sete anos ou menos quando comecei a correr atrás da bola durante o recreio e depois do fim das aulas. Me dividia entre brincar de skate de dedo, dançar Chiquititas, pique esconde, fugir da bola na queimada, correr e chutá-la na quadra e participar de todas as variações possíveis de brincadeiras relacionadas ao futebol. Eu só queria me divertir.

Mesmo menina, eu já sentia que o mundo não via o futebol como um lugar de mulher quando ouvia de adultos que era estranho eu gostar de jogar bola ou quando eu tinha que pedir permissão para os meninos para jogar no recreio, mesmo com a quadra reservada para a minha turma. Os donos da quadra e da bola eram eles, eu era apenas uma mera visitante.

Cresci vendo os professores de educação física dividirem a turma entre meninos e meninas, eles no futebol, elas no vôlei, enquanto em casa, eu jogava Nintendo com meu irmão e um dos jogos queridos era o Ronaldinho Soccer 98. Mais tarde e junto com ele, eu entrei no mundo dos jogos de treinadores e acompanhei desde Elifoot e Brasfoot até CM e FM. Abandonei a quadra e me mantive na redoma dos jogos virtuais até que de tanto ser sempre a visitante, acabei me tornando apenas uma turista. Os donos da quadra e da bola conseguiram o que queriam: eu fui para o meu não lugar.

Desde então, o futebol ficou de lado. Fui expulsa pelo pior dos fandons com seus intermináveis “então me explica a regra do impedimento!”, vi o meu gosto pelo futebol ser podado até restar apenas uma sementinha que só deve ter continuado viva porque eu sabia que mulheres também driblavam, afinal, por alguns anos eu fui uma delas.

Descrição: foto minha olhando para molduras com fotos históricas. A foto que se destaca é a de um time feminino.

Depois de anos nesse não lugar, foi uma visita ao Museu do Futebol que me fez sentir vontade de voltar a enfrentar esse fandom. Já na primeira sala, eu vi que ia gostar do passeio ao me deparar com cartazes das olimpíadas modernas, vídeos de esportes que incluem crianças com deficiência, uma linda homenagem à Chapecoense e um mundo de escudos, imagens, faixas relacionadas ao esporte e entre elas, eu via algumas que mostravam que elas tinham vez ali.

Entre os craques homenageados, tinham Formiga e Marta incluídas. Entre as fotos históricas do futebol, havia times femininos, imagens de partidas, a lembrança do decreto-lei que proibiu mulheres de praticar o esporte por décadas e alguns recortes de jornais de outras épocas que evidenciam o machismo que ainda hoje atinge as mulheres envolvidas no esporte. Nas várias exposições do museu, fala-se delas. Talvez com uma certa timidez em alguns momentos, mas a lembrança de que elas existem e resistem está lá e eu, enquanto feminista e com um museu de histórias pessoais com futebol, saí de lá com vontade de abandonar o meu não lugar e invadir a quadra e tomar a bola até que todos os espaços também sejam nossos.


Leia também “Musas não, torcedoras”, texto que escrevi para o Ativismo de Sofá com umas dicas de como tornar o futebol um ambiente menos machista e essa pequena biografia que escrevi para o Mulheres Notáveis sobre a Léa Campos, primeira árbitra de futebol profissional do mundo.


Museu do Futebol, cadê a Cristiane Rozeira na parte dos craques? A mulher é a maior artilheira das Olimpíadas, ela merece!


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A maior das impostoras

Ilustração minha.

Pensei nesse texto numa quinta-feira na sala de espera de uma consulta médica. Como boa impostora que sou, não estava com nenhum dos meus muitos caderninhos na bolsa e só anotei no bloco de notas do celular uma verdade que eu estou cansada de esconder: “eu sou a maior das impostoras”.

Comprei mais um caderninho há umas semanas, mesmo tendo dois em casa ainda não utilizados. O novo caderninho carrega em sua história uma compradora que alegou que ele era necessário porque sua capa era toda sombria e ela, que sou eu, queria escrever histórias de terror e suspense nele.

Impostora que sou, sei que eles continuam com suas folhas em branco e sem contar histórias não porque eu não escrevo, mas porque sei que nenhum dos meus contos e causos são bons o suficiente para preencher as páginas tão bonitinhas desses cadernos que compro nas feiras gráficas.

Impulsiva que sou nas minhas promessas, eu me comprometi a fazer textos semanais para o Medium, lançar uma newsletter, publicar um ebook, escrever um romance e ilustrar toda bobagem que eu escrever. Impostora que sou, mantenho tudo isso só no plano das ideias para que tudo continue como um devaneio.

Insegura que sou, desejo elogios, duvido do conteúdo deles e sinto cada silêncio de quem é próximo como uma ofensa e o apoio deles como algo que fazem só por gostarem de mim e não do meu trabalho.

Como boa impostora, eu vivo esperando o dia que as cortinas dos olhos alheios vão se abrir e finalmente verão que eu sou uma fraude. Como a maior das impostoras, cansei de esperar e sofrer com antecedência por isso e me assumo abertamente como uma trapaceira que tem como crime fingir que é boa em alguma coisa, por isso escrevo, posto e mostro para todo mundo toda essa bobagem.


Sou a maior das impostoras, mas não nego minhas referências. Então, eu não posso esquecer de contar para vocês que escrevi inspirada no nome e no primeiro texto da newsletter da Carol Marques. Assine aqui.


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Conexão é a palavra.

Pedaço de uma mini-zine que fiz. Arquivo pessoal.

Mesmo muito antes daquele cdzinho do discador da IG, conexão já era uma palavra que tinha tudo a ver conosco. Conexão é aquele zunido bizarro da internet discada, inserir a senha do wi fi e ler conectado, mas também é cada ponto das nossas histórias que tocam as histórias dos outros.

Somos bicho humano e a gente sempre arruma um jeito de conectar. Os espaços de conexão são vários e todos parecem uma grande colcha de retalhos. Na cidade, os percursos são diversos, as pessoas também, eles se encontram e desencontram. De tanto se esbarrar, cria-se uma conexão. Ora são zés e marias ninguém, ora são aqueles do ônibus 9410, aqueles do twitter, aqueles do grupo de vídeos e fotos de bichos fofinhos.

Nesse mundo feito de esbarrões, onde linhas invisíveis unem e desunem pessoas, a gente existe e as conexões se fazem. Nem sempre entre pessoas. A gente se conecta até com os prédios bonitos que contemplamos no caminho. Basta ter tempo de olhar, olhar mesmo, para o cérebro criar uma lembrança nomeada prédiohistóricobonito.neurônio. Com o tempo, nossas histórias se tornam parte da cidade. A praça não é só a praça Nome Masculino de Um Cara Branco e Rico, ela é a praça onde a gente andou pela primeira vez de bicicleta, onde se quebrou o dente na infância, onde todo mundo joga pokémon Go.

A história começa no funcionamento dos neurônios. Os dendritos captam sinais elétricos e os retransmitem para o axônio e o axônio se conecta com outros neurônios ou mesmo com células de diferentes tecidos. Isso feito inúmeras vezes e em todo o tecido nervoso. Conexões múltiplas que juntas criam nossa percepção e memória. E o que seria da memória sem um punhado de ligações entre nós, os outros e as coisas?


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Chuva na janela

Imagem encontrada aqui

Hoje parei para pensar em tanta coisa. Acordei e contemplei o som da chuva batendo na janela fechada e os uivos causados pelo vento passando no corredor que os prédios formam nos centros das cidades. O barulhinho da água caindo camuflava os sons urbanos. Não dava para ouvir o vai e vem de carros. As coisas pareciam calmas, simples. Tudo pairava. O tempo e a cidade pareciam suspensos. O mundo parecia nosso. Tudo parecia um sonho. Tudo parecia certo.

Voltei a dormir, a chuvinha me ninou até que o dia nasceu de vez. Nem a chuva e nem os uivos de vento nesse horário são capazes de camuflar a cidade. As buzinas chamam atenção e lembram que a cidade parou, mas o tempo não, ele corre, independentemente de ter alguém parado na frente dele. Nesses casos, ele passa por cima.

A cidade foi interrompida no seu fluxo cotidiano. Nem ela, nem eu, podemos nos dar o luxo de descontinuar o que tem para hoje. O movimento é obrigatório, todo mundo está proibido de estacionar e finalmente conseguir ver qual é o melhor caminho no meio do caos da chuva e da cidade. Somos baratas tontas, corremos em círculos buscando a rua que não está engarrafada. Pelo menos agora tem Waze e Google Maps para ajudar.

O destino é certo. Vou para o ponto de ônibus, espero, avisto o veículo e corro para fechar a sombrinha e me enfiar no meio dos outros tantos que querem entrar logo naquela caixa de metal que não cabe todo mundo. Entro, sinto cheiro de gente molhada, suada, cansada, sigo, desço, vivo, mas sei que tem hora que todo esse movimento é só estagnação. Sei porque mais cedo estava pairando no ar e pensei que o sonho segue vivo, por mais que às vezes eu esqueça de tentar.


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O universo alimentado pelo grão de arroz

Imagem retirada de uma publicação da Revista Globo Rural

Sentei em frente ao computador para almoçar. Entre uma garfada e outra, eu lia notícias e trocava mensagens com meus contatos. Concentrada na leitura, deixei cair um grão de arroz no teclado. Ele caiu bem entre as teclas, já se ajeitando para ficar bem longe dos meus dedos. Funcionou. Quanto mais eu tentava tirá-lo dali, mais ele se encaixava e se enfiava, até que perdi o arroz de vista.

“Por que narrar um pequeno acontecimento desses?”, você pode se perguntar. E eu responderei que por mais simples que seja um acontecimento, ele pode virar uma história. “Mas o que pode estar por trás de um grão de arroz caindo num teclado?”

Alguns diriam que essa é só mais uma história da lei de Murphy agindo, diriam até que essa era uma tragédia anunciada. Tudo que pode dar errado, dará. Comer em cima do teclado é um risco. Retirar o pendrive sem remover hardware com segurança também. Risco do século XXI, sabe? Outros, como eu, acham que pode até ter a atuação da lei em questão, mas suspeitam que tem uma história por trás desse arroz irresgatável.

Dizem “não coma em cima do teclado, qualquer farelo pode atrair um mundo de formigas”. E quem não ouve esse conselho acaba se chocando com as tantas poeirinhas, nojeirinhas, sujeirinhas e claro, as bactérias, ácaros e vírus, que não podemos ver, que encontramos ao fazer uma limpeza do teclado. Para mim, tantas migalhas reunidas é um indício de que há um universo além do nosso em cada teclado.

Esse universo se sustenta com os pedaços de pele morta que deixamos para trás a cada toque, com os pedacinhos de comida que deixamos cair, com o que o vento leva para ele e com as várias outras formas de juntar sujeira que existem. Note a importância do arroz nesse contexto: ele é uma enorme fonte de alimento que não surge todo dia. E agora você vê como a narrativa desse acontecimento bobo pode ser diferente?

O arroz caiu e foi impossível pegá-lo para jogá-lo no lixo, porque o universo presente ali e invisível aos meus olhos, o arrastava para debaixo das teclas. Eles queriam aquele arroz. Eles precisavam daquele arroz. Quando ele caiu, um mundo de possibilidades de novas vidas surgiram e por isso ninguém queria deixá-lo escapar. E agora? Agora eu preciso limpar meu teclado antes que esse universo fique grande demais e engula um cômodo do meu apartamento.


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O mundinho por trás da anulação da vez

Imagem do Congresso Nacional retirada da Wikpedia

09 de maio, 2016.

O horário de almoço do brasileiro foi marcado por conversas em que todos os presentes teorizavam sobre a manchete “Presidente em exercício da Câmara anula votação do impeachment da Dilma”. Antes da última garfada, havia mais teorias sobre o que motivou Maranhão, presidente interino da Câmara agora que Cunha foi afastado, do que especulações sobre o que vai acontecer na série Game of Thrones.

Todos querem saber o vai acontecer e, de tão acostumados com esse clima político semelhante ao da série House of Cards, todos também querem presumir quais as articulações nortearam esse acontecimento. A sociedade clama por uma cobertura próxima ao que o site Ego faz dos famosos para saber detalhes dos últimos dias de Waldir Maranhão e assim alimentar suas suposições. Todos querem saber com quem Waldir Maranhão fez suas últimas refeições. Todos querem sabem se ele teve um encontro secreto e com quem. “Será que foi Cunha querendo mostrar seu poder na Câmara mesmo afastado?”, perguntam vários. Enquanto outros largaram as especulações de lado ao lembrarem que a comida ia acabar esfriando e optaram por parar de presumir e começar a mastigar.

Eu, narradora onipresente, dona dessa história, sei muito bem o que está por trás disso tudo. Para entender o que aconteceu, a gente precisa voltar ao fatídico dia 17 de abril de 2016.

Durante a votação pela admissibilidade do impeachment da presidenta Dima Rousself, a maioria dos deputados citaram deus e membros de suas famílias em seus votos. Um deputado, ao citar vários e vários familiares, se esqueceu justamente de seu filho e tentou corrigir o erro voltando ao lugar onde se proferia os votos e citando o nome do menino esquecido. Ele, esse mesmo, o cara que esqueceu de falar do rebento, é o articulador da anulação da votação. Liderados por esse deputado, parlamentares agiram para que uma nova votação acontecesse só para esse senhor voltar a ter paz nos grupos de família do Whatsapp.

Eu, a narradora que tudo vê e ouve, mais uma vez dei uma de intrometida e por isso ouvi todos esses caras confessando uns para os outros coisas como “Minha filha me pediu para citar a amiga imaginária dela nessa nova votação e eu não consegui dizer não” e “Meu tio-avó não me deixa mais em paz, ele quer ser lembrado por mim numa votação em que o Brasil inteiro está assistindo e todo mundo sabe que a maioria das pessoas só descobriu que tinha um tv Câmara na votação do impeachment, o que eu faço agora?”. São essas e muitas outras falas do mesmo teor é que foram a origem da articulação do plot twist da vez.

E eu, ingênua, por alguns momentos, enquanto ouvia os desabafos dos deputados, imaginei que algum deles concluiria que não deveria ter citado nenhum de seus familiares num voto em primeiro lugar. Achei que ouviria um “é, é isso que ganhamos quando misturamos o privado com o público”, imaginei que algum aprendizado ia sair dessa série de lambanças, mas descobri que essa visão patrimonialista pautada pela “Tradição, Família e Propriedade” also know as “Boi, Bíblia e Bala” não fraqueja nunca.


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