O lugar da mulher para a ofensiva conservadora

No primeiro dia da legislatura dos deputados federais, Márcio Labre (PSL-RJ), um estreante, propôs um projeto de lei que dispõe sobre a proibição do comércio, propaganda, distribuição e implantação pela Rede Pública de Saúde de micropílulas, pílulas do dia seguinte, implantes anticoncepcionais e DIU com a justificativa de que tais produtos são abortivos*.

A atitude de Márcio Labre é parte de uma ofensiva conservadora que encontra no legislativo um terreno fértil para prosperar. Ele agora se soma a um grupo expressivo de deputados que usam a bandeira anti-aborto para promover seus ideais de mulher e religião com um projeto que consegue ser ainda mais agressivo que os famigerados Estatuto do Nascituro e a PEC 181/15, conhecida como “Cavalo de Troia das Mulheres”. O deputado, ao tentar proibir o acesso a contraceptivos, leva ao extremo a bandeira do controle do corpo das mulheres. A criminalização do aborto não é o suficiente, Márcio quer restringir ainda mais a autonomia das mulheres sobre seus corpos e sexualidade com uma limitação absurda relacionada a qual método contraceptivo elas poderão escolher usar. Com o PL 216/2019, o parlamentar busca dificultar que mulheres detenham o poder de tentar evitar uma gravidez de forma ativa.

A camisinha não é um dos itens listados por ele, mas seu uso costuma estar atrelado a uma cooperação masculina. Apesar da camisinha ser o contraceptivo mais indicado, já que também protege contra as doenças sexualmente transmissíveis, seu uso sofre resistência por parte de homens, principalmente dentro de relacionamentos, o que torna os contraceptivos como a pílula do dia seguinte e o DIU essenciais para que mulheres possam ter um controle maior sobre seus corpos e possíveis gravidezes. O anticoncepcional padrão também não foi listado pelo autor do projeto, porque ele não o considera “micro abortivo”, mas as restrições elencadas no PL já impactariam bastante os direitos sexuais e reprodutivos de quem possui útero e capacidade de engravidar. A escolha feminina de como se prevenir de uma gravidez seria muito afetada, principalmente das mulheres que não podem utilizar o anticoncepcional padrão por causa do risco de trombose e outras doenças.

A maioria dos projetos de lei e emendas constitucionais nesse viés buscam dificultar ou mesmo proibir o aborto nos casos legais (estupro, risco de morte e anencefalia). Com Labre não foi diferente. Além do projeto que tem vários contraceptivos como alvo, ele também propôs o PL 260/2019, que diz em seu primeiro artigo que:

“ É proibido o aborto de fetos humanos, pelas próprias gestantes ou por ação de terceiros, em qualquer hipótese, independentemente do estágio da gravidez ou do tempo de vida do nascituro, admitida somente, por única exceção, a possibilidade de abortar quando a continuação da gravidez trouxer comprovação e inequívoco risco de vida para a gestante.”

No primeiro dia de legislatura, o estreante do PSL deixou claro que a mulher, para ele, é um mero receptáculo ao se colocar contra o aborto em caso de gestação fruto de estupro e buscar a proibição da pílula do dia seguinte, medicamento não abortivo, que impacta diretamente na garantia legal de amparo médico e psicológico para vítimas de estupro. Entre outras coisas, a lei 12.845/13** prevê a pílula do dia seguinte como parte do atendimento de vítimas de violência sexual com o objetivo de evitar que haja gravidez e a pessoa tenha que passar pela decisão de abortar ou não.

Os projetos de lei do parlamentar, caso sejam aprovados, buscam impor a gravidez indesejada e fruto de estupro a todo custo. Nem mesmo a profilaxia de gravidez seria um direito. Com isso, o direito do estuprador de se reproduzir estará acima da integridade e vida da vítima. Márcio quer fazer de tudo para obrigar mulheres a gestarem, independente se foi estupro ou não.

O controle do corpo da mulher e a caça de seus direitos reprodutivos é parte essencial de qualquer projeto de governo que tenha como base a religião, os bons costumes, o conservadorismo e o autoritarismo. A ficção nos mostra isso: “O conto de Aia”, escrito por Margaret Atwood, por exemplo, é uma história sobre um regime autoritário que se baseia e se sustenta no controle dos corpos femininos.

Isso se dá não só porque alguns acreditam que fazem o bem com suas posturas “pró-nascimento” e misóginas, mas porque atacar as liberdades femininas é sempre um caminho mais fácil para quem quer manter e ampliar seu poder. O machismo do mundo de hoje ainda clama por qualquer coisa que busque controlar as mulheres. Políticos interessados em popularidade e polêmica usam essas pautas, principalmente as que tem mais apelo como o aborto, para se colocarem como paladinos da justiça e se afirmarem perante a sociedade. Com base nisso, podem, por exemplo, justificar inércias, omissões, corrupções e votos contra o povo com o argumento de que o foco precisa ser pautas como essas.

Restringir a autonomia das mulheres é bandeira vista como necessária por uma parcela de pessoas, especialmente homens cis, que se definem como capazes a partir dessa ideia de que a mulher existe para complementar os homens. Concepção que serve como base para toda a divisão sexual do trabalho.

Os apoiadores de homens como Márcio Labre encaram esse tipo de projeto político como a chance deles voltarem a terem empregos bacanas, conseguirem sustentar uma casa, serem detentores de um pátrio poder que atinge mulheres e filhos. Eles querem o controle estatal para garantir que eles a obediência e submissão de mulheres e crianças.

O controle da capacidade reprodutiva feminina, por mais que seja pintado apenas como uma pauta moral, está relacionado com economia, emprego, mão de obra e é uma bandeira que faz tanto sucesso porque promete manter certos privilégios. O desejo de domínio do capital reprodutivo se dá por causa da necessidade de haver reprodução e cuidado da prole para manter certas estruturas, inclusive econômicas. A reprodução é tratada como algo além do desejo individual da mulher, ela tem uma função numa sociedade como a nossa. A transmissão da propriedade, por exemplo, se relaciona com filhos e esposo.

Quem defende isso vê o passado como meta a ser buscada. A bancada da Bíblia — e também da Bala e do Boi — usam a frustração com o presente e definições culturais da função de homens, mulheres, brancos, negros, indígenas, terra e propriedade, para conquistar votos e poder. Eles contam com os ressentidos com o avanço de pautas feministas para encher os bolsos.

O projeto de lei do deputado conservador da vez é um elemento de uma ofensiva que busca determinar que cabe às mulheres a função primordial de parir, cuidar, satisfazer e aos homens todo o resto. Esse resto, como tarefa masculina, é melhor pago, tem status profissional, trabalho formal, enquanto o que a mulher faz é vocação, destino biológico, milagre, bondade, sacrifício ou mesmo redenção de uma vida de pecados próprios ou de Eva ou Lilith.

Com grande parte do Legislativo e do Executivo combinados em promover um projeto político de promoção de desigualdade entre homens e mulheres, pautas como a disparidades salarial, desemprego e dificuldade para retornar ao mercado de trabalho após ter filhos, falta de creches públicas, e, principalmente, a tripla jornada de trabalho seguirão sendo colocadas como pouco importantes, apesar de serem tão significativas. A maternidade precisa ser obrigatória e carregada de sacrifícios e perda de autonomia para esses que dizem defender tanto a família.

O Brasil caminha a passos largos para se tornar um país teocrático e essa trajetória conservadora é uma busca pela manutenção de um status quo e de um poder que tem sua expansão como algo naturalmente autoritário. A consequência do avanço de pautas como essa é ainda mais mortes de mulheres na clandestinidade. O projeto político que ganha cada vez mais voz no país negligencia a vida, a saúde, a autonomia e a subjetividade de mulheres. A maternidade não pode ser compulsória.

*Micropílulas, DIU, implantes anticoncepcionais e pílulas do dia seguinte não são abortivas. Sendo a última vítima de ataques anticiência rotineiros, apesar desse medicamento apenas adiar a ovulação e evitar que o útero se prepare para receber um óvulo fecundado.

**Há várias pessoas no Congresso Nacional e fora dele que defendem que a pílula do dia seguinte é abortiva e querem impedir o uso dela. Magno Malta, Eduardo Cunha, Pastor Eurico, Pastor Marco Feliciano, Bolsonaro e outros defendem a revogação da lei 12.845/13, a lei que garante atendimento médico e psicológico para vítimas de estupro, com base nesse argumento. Ou seja, caso o PL 6055/13 passe, não há chance de veto.

*** Esse controle tanto falado em todo o texto é motivado pela busca pelo domínio do capital reprodutivo.


Observação: no final da tarde do dia 06/02, o deputado apresentou requerimento para retirada do PL sobre a proibição de diversos contraceptivos, mas disse que no futuro apresentará outro projeto, dessa vez mais fundamentado, com finalidade de informar que a minipílula, a pílula do dia seguinte, o DIU e os implantes anticoncepcionais são “micro abortivos”. Ou seja, essa retirada é apenas estratégica. O outro PL, também absurdo, segue sem retirada.


No dia 12/02/2019, o Senado desengavetou o projeto de emenda constitucional 29/2015. A PEC em questão busca acrescentar ao artigo 5º da Constituição que a vida é inviolável desde a concepção, assim como a PEC 181/15 que ganhou destaque ano passado queria fazer. Essa mudança constitucional, se for feita, pode amparar a criminalização do aborto em qualquer situação. Esse é mais um exemplo recente de como esses ataques são parte de um projeto político de poder que tem ganhado cada vez mais força no país.


Em junho de 2019, Projeto de Lei do vereador de São Paulo Fernando Holiday (DEM) ganhou as manchetes brasileiras por propor a internação compulsória de mulheres com “propensão ao abortamento” e uma série de medidas, como obrigar a mulher a ouvir o coração do feto bater, para tentar impedir abortos nos casos legais. Esse PL é claramente inconstitucional, mas, ainda assim, merece ser criticado e exposto como a política de controle de corpos que é.


Em setembro de 2019, o Conselho Federal de Medicina, em uma nova resolução, definiu que gestantes não possuem o direito à recusa terapêutica: “A recusa terapêutica manifestada por gestante deve ser analisada na perspectiva do binômio mãe/feto, podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto.”

A resolução apresenta perigo por colocar os corpos das mulheres grávidas como tuteláveis e justificar isso usando o feto, como se a mulher que gera fosse uma mera incubadora, e assim abre precedente para violência obstétrica “justificada”. Saiba mais aqui.

Em agosto e setembro de 2020 um caso de aborto legal de criança gestante por estupro se tornou emblemático e foi manipulado e atacado pelo governo, com direito a posterior edição de portaria para restringir o direito ao aborto legal na prática. Mais sobre aqui.

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Inferior é o car*lho: o que a ciência diz das mulheres pode estar errado?

Imagem de divulgação — Adquira seu exemplar aqui.

“Quem somos nós?” é uma dessas perguntas que são uma espécie de gatilho para questionamentos sobre comportamento, constituição física, inteligência, sociedade, evolução, passado, presente e futuro. É uma indagação tão frequente e tão ampla que se tornou cerne de diversas áreas da ciência. Mas, dentro do cânone científico, quem faz parte desse “nós”?

Homem, por muito tempo, foi o principal sinônimo de ser humano e de humanidade. Mesmo atualmente, seu uso é frequente, ainda que críticas a utilização dessa palavra nesse contexto sejam cada vez mais habituais. Esse pequeno detalhe diz muito sobre qual parte da humanidade é foco de pesquisas e é considerada detentora do conhecimento científico. A questão é: de que maneira isso afeta como a ciência — e também a sociedade — vê as mulheres hoje?

“Inferior é o car*lho”, de Angela Saini”, é uma investigação jornalística que questiona, por meio da própria ciência, a visão científica de homens e mulheres.

Eles são mais inteligentes e elas mais emocionais? Elas são castas e eles promíscuos? Elas não contribuíram ou contribuíram muito pouco para a sobrevivência e evolução da humanidade? E a cultura? Todos esses questionamentos e muitos outros são trabalhados pelo livro a partir da apresentação do que diziam no passado, muitas vezes bem recente, e o que apontam as novas pesquisas científicas que contestam essas teorias.

A maioria desses novos trabalhos citados por Angela foram elaborados por mulheres. Elas, ainda que lentamente, começaram a aumentar sua presença nesse espaço visto como masculino — e branco — e, assim, fazer parte da versão científica do “Quem somos nós?”. Isso tem sido benéfico para a discussão sobre o sexismo da ciência e nos faz questionar o quanto o ainda pequeno número de mulheres no topo das carreiras científicas é também causa e consequência de como a ciência tratou as mulheres em sua história.

A obra expõe o fato de que a ciência, apesar do método científico, também é influenciada pela cultura vigente e o quanto a visão dos cientistas sobre sexo e gênero afeta o interesse em determinados temas, a interpretação de comportamentos e também a análise de resultados. O conteúdo trabalhado pela jornalista Angela Saini aduz o quanto é importante reconhecer isso para que os resultados das pesquisas sejam mais efetivos. Apesar das críticas que argumentam o contrário, o feminismo de cientistas tem ajudado a tornar a ciência mais objetiva e a reescrever a história das mulheres.


Obs: A edição brasileira foi publicada pela DarkSide e conta com um prefácio escrito pela Heloísa Buarque de Holanda e obras incríveis do Coletivo Balbúrdia distribuídas pelas páginas do livro e foi traduzida por Giovanna Louise Libralon.


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É preciso deixar a boa menina para trás

Canva

Quando estive em Galinhos, as águas estavam tomadas por pessoas praticando kitesurf. Do mar ou da areia, víamos homens e mulheres testarem os efeitos da gravidade, da ventania e da água em seus corpos.

Ao meu lado, também como espectadora, havia uma menina de uns sete anos completamente fascinada pelas manobras. Ela comentava cada uma delas com a mãe.

Após um tempo de observação marcado por comentários bem tagarelas, a mesma menina, com surpresa e muita empolgação na voz, observou que havia mulheres no meio do grupo esportista. Impressionada, ela perguntou sobre isso para sua mãe que respondeu que não há nada que impeça mulheres de praticarem kitesurf e completou dizendo: “Você poderá fazer, se quiser, quando crescer um pouco.”

Enquanto a cena se desenrolava ao meu lado, eu me perguntava: “Quem seria eu hoje se nessa mesma idade tivesse visto mulheres comuns fazerem coisas extraordinárias com seus corpos e ouvido do mundo que eu poderia fazer o mesmo?”

Apesar de eu ter pelo menos mais vinte anos que essa menina, reconhecer mulheres no meio do grupo no mar também me trouxe empolgação, satisfação e, confesso, certa surpresa.

Apesar de incômoda, essa surpresa foi inevitável, já que no passeio de buggy, feito alguns dias antes, todos os motoristas eram homens. E, dias depois, quando andei de quadriciclo, foram os homens que dirigiram as máquinas enquanto as mulheres se aventuravam apenas na garupa.

O passeio de quadriciclo tinha uma parada para troca de motorista e nesse momento algumas poucas mulheres assumiram o controle de seus respectivos veículos. Eu não fui uma delas.

Por mais simples que fosse, por algum motivo, eu não me senti capaz de guiar. Não sei dizer direito o porquê disso, talvez a minha altura tenha me feito questionar a minha capacidade, eu não sei, mas me lembro de ter tido a sensação de que eu ia falhar, me envergonhar, atrasar o grupo e, de quebra, queimar o filme das mulheres.

Eu tenho carteira de motorista há quase dez anos, mas não me senti capaz de participar desse passeio como motorista, assim como nunca me sinto pronta para dirigir em Belo Horizonte e adio constantemente qualquer tentativa.

Minha mãe sempre dirigiu, mas quando meu pai estava no mesmo carro, era ele que assumia o volante e isso é um padrão que eu reconheço em várias famílias. Amigas minhas, mesmo as da minha idade, ainda agem assim até mesmo com seus próprios carros. Muitas das minhas tias sequer dirigiram alguma vez na vida, enquanto seus maridos sempre o fizeram. Mesmo antes de terem seus veículos ou habilitação, eles pegavam emprestado de alguém e guiavam sem pensar muito naquilo que faziam.

No grupo do passeio, o padrão era o mesmo. As mulheres eram todas acompanhantes. Nenhuma era motorista principal e isso me fez pensar bastante em como mulheres experimentam o mundo e não descobrem ou não reconhecem suas potencialidades por terem sido condicionadas a uma passividade que se baseia no apagamento de seus próprios desejos e curiosidades.

Nessas situações, eu sempre questiono: “Bastaria uma para que outras se sentissem encorajadas a tentar?” e a resposta costuma ser “Não sei” ou mesmo “Provavelmente não”, porque a gente sempre ouve que as boas motoristas, as muito inteligentes, as aventureiras e afins são exceções e percebemos que um erro nosso é sempre tratado como prova inequívoca da falta de capacidade de nosso gênero. Além disso, é preciso entender que algumas mulheres, senão a maioria, são desencorajadas pelos próprios companheiros a assumirem atividades como essas.

Em sete dias de viagem, eu tive três experiências que me fizeram pensar nas questões de gênero que permeiam a vida das mulheres mesmo quando elas saem de seu lugar de sempre e buscam viver coisas diferentes.

No quadriciclo e no kitesurf, as observações partiram da minha inatividade e na percepção do impacto psicológico da visão social das atividades femininas e masculinas em mim e nas mulheres ao meu redor. Já na terceira experiência, o meu local é o de uma mulher que participa da atividade aventureira como protagonista.

Eu simplesmente fui sem nem pensar duas vezes numa tirolesa e foi ótimo, mas isso acabou se tornando uma questão quando eu fui assistir ao vídeo feito no momento e me deparei com vozes masculinas berrando para mim “pode gritar, mulher”.

Não senti nenhuma vontade de gritar, sequer frio na barriga. A sensação foi de tranquilidade e prazer. Com os olhos bem abertos e míopes, vivi a experiência como se pairasse no ar entre água, vento e duna. Nem ouvi o berreiro masculino que depois descobri que existiu.

Quando meu namorado foi, logo depois, ninguém esperou que ele gritasse, quis dar permissão para ele fazer isso ou assumiu que ele estava morrendo de medo.

Todo mundo deveria poder gritar, se está com medo ou sente prazer nisso, mas a experiência feminina parece ter que aparentar ser de pânico ou ser assim de fato.

O medo e a insegurança são colocados como femininos e, de tanto ouvir isso, a gente se convence de que essa é a ordem natural das coisas mesmo quando o assunto não é estupro, violência doméstica e afins. Nos querem assustadas em todas as esferas. Até mesmo na hora de vender um passeio de aventura durante uma viagem. Mesmo isso sendo economicamente meio burro.

Quando eu, mais uma vez, não consegui viver a experiência
— tola, talvez, como agora eu vou saber? — de dirigir um Quadriciclo, eu me senti uma impostora. Por mais que eu fale que lugar de mulher é onde ela quiser, eu ainda sinto o peso do que vi e ainda vejo ao meu redor.

As mulheres ainda são vistas como passageiras. Não podem guiar suas próprias vidas. São acessórios que seguem o principal, o homem. Eles sabem de si e de suas companheiras e a gente foi ensinada a acreditar que essa é a ordem natural das coisas e que aceitar isso é ser uma boa garota.

A boa garota não se suja de areia quando curte uma praia, hidrata seus cabelos para que eles não fiquem quebradiços e faz questão de evitar molhar os fios quando entra na água. Ela não anda só de biquíni pelo calçadão. Sempre está de bolsa e canga. Ela sorri, fala pouco, baixo, se desculpa toda hora e não sabe ser assertiva. Ela está com a depilação em dia e as unhas bem cortadas e feitas. Ela aceita passiva seu lugar no mundo e acompanha seu homem bem bonita. Ela não existe, é apenas um ideal que nos ensinaram a buscar.

Ainda na sexta série, me lembro de anotar nas minhas agendas frases que diziam que as más garotas são as que saem do lugar, se divertem, são livres e sabem viver. Desde então quis ser uma dessas, mas muitas vezes tive medo das consequências desse desejo. Até porque, por ser pequena, branca e “frágil”, eu nunca me senti apta a caber nesse outro estereótipo que vez ou outra se apresentava de forma tão atraente, apesar de tudo.

A má garota é também a que precisa ser corrigida. É a que ouve que precisa fechar as pernas ao sentar e a que é xingada de respondona ao questionar. Se ela se machuca porque saiu correndo para fazer algo com os meninos, ela ouve que deveria ter ficado quietinha em casa.

Fui ensinada a ser uma boa garota, como todas nós fomos em algum nível, e achei que tinha rompido com isso. Descobri que não, apesar do meu esforço em desconstruir isso desde a adolescência.

Eu ainda sou uma dessas que, mesmo durante uma viagem maravilhosa, se incomoda com o que os outros vão pensar de suas unhas dos pés que estão grandes demais porque cresceram estranhamente nos últimos dias. Eu ainda sou uma dessas que tem uns devaneios de aventuras que ficam sempre no plano das ideias, porque, afinal, o mundo lá fora é perigoso demais para uma mulher. Eu ainda sou uma dessas que não consegue abandonar essa persona que sequer chega a tentar porque sabe que todo erro seu contará contra si e contra outras. Eu ainda sou uma dessas, que fala que não consegue sem nem ao mesmo tentar.

Virginia Woolf escreveu sobre a necessidade da mulher matar o anjo do lar para que possa viver de forma saudável. O anjo do lar é a neutralização da mulher enquanto indivíduo, um fantasma que nos assombra com finalidade de nos lembrar que devemos ser boas garotas e servir aos homens. Ele nos impede de descobrir nossas potencialidades porque coloca o desenvolvimento pessoal e as experiências da vida das mulheres como secundários. Esse anjo maldito assume que o que podemos fazer melhor é apoiar um homem, através de cuidados, serviços domésticos, amor e afins, porque ele sim tem potencial para fazer alguma coisa realmente significativa. Esse anjo vive dentro de nós e é fruto dessa educação que busca formar boas garotas.

Que antes das próximas férias, eu consiga fazer minha boa garota interior ir para o inferno junto desse anjo pervertido. Já passou da hora de eu e todas nós entendermos que podemos ser protagonistas de nossas próprias vidas. Entre eu e a minha melhor versão, ainda há um anjo do lar vivo e uma garotinha que quer obedecer os adultos em suas tolices só pra ganhar sorrisos.


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“Falsa acusação”: a história de Marie é um exemplo do que é a cultura do estupro

Acervo pessoal — ilustrações feitas por mim — Adquira seu exemplar aqui.

Em 2011, durante um fórum sobre segurança e prevenção de crimes na Universidade de York, Toronto, um policial disse que as mulheres deviam evitar se vestir como vadias para não serem vítimas de estupro. A fala causou incômodo e foi contestada publicamente através de um ato em repúdio que contou com a participação de 3 mil pessoas.

O caso, graças ao protesto, ganhou o mundo. Mulheres de cidades dos Estados Unidos, Holanda, Portugal, Argentina, Índia, Coréia do Sul, Israel, Colômbia, Chile, México e Brasil também foram às ruas para questionar a forma que os crimes sexuais são tratados pela polícia, pelo judiciário e pela sociedade.

Essa movimentação toda ganhou o nome de “SlutWalk” (“Marcha das Vadias” no Brasil) e se incorporou ao calendário de luta de diversos lugares. O nome e alguns slogans do movimento receberam críticas — bem válidas, por sinal — de muitas feministas, mas é inegável que essa pauta ter tido esse efeito viral diz muito sobre o mundo que vivemos e o quanto a cultura do estupro precisa ser discutida e combatida mundialmente.

Também em 2011, Marie recebeu a notícia de que seu estuprador tinha sido preso após dois anos, sete meses e uma semana desde sua denúncia. Denúncia que foi considerada falsa e fez ela ser processada pelo Estado.

Marie confundiu detalhes de seu relato. Marie reagiu ao estupro de forma diferente do que algumas pessoas esperavam. Marie foi intimidada pela polícia que deveria apoiá-la e interrogada com um método usado para obter confissões de criminosos e acabou voltando atrás sobre a acusação que tinha feito. Ela disse que mentiu, mas dias depois tentou confirmar a denúncia novamente. Não a ouviram e ela foi denunciada por falsa comunicação de crime. Todas as provas do caso dela foram descartadas por isso.

“Falsa acusação — uma história verdadeira” nasceu a partir de um artigo vencedor do Prêmio Pulitzer de jornalismo investigativo e é um livro que aborda a cultura do estupro a partir da história de Marie e de outras vítimas de Marc O’Leary.

O trabalho feito pelos jornalistas T. Christian Miller e Ken Armstrong se divide em duas frentes: contar a história de Marie abordando o descaso que ela sofreu e os impactos disso em sua vida e expor como esse estuprador serial foi pego através de um trabalho investigativo e cooperativo liderado por duas detetives: Stacy Galbraith e Edna Hendershot.

Durante toda a obra, os autores apresentam dados, falas de especialistas e informações históricas sobre a abordagem do crime de estupro nos Estados Unidos.

Nossa sociedade, assim como a estadunidense, foi construída pautada no que homens falam sobre mulheres e, por muito tempo, o que eles disseram nos pintou como falsas, traiçoeiras, manipuladoras. Para eles, mentir sobre um estupro era o que vadias faziam após ceder à tentação do sexo. Séculos se passaram desde o primeiro homem a falar isso publicamente enquanto jurista nos EUA, mas a dúvida sobre quem é e o que quer a vítima de um estupro ainda prevalece quando a denúncia é feita.

Os jornalistas também relacionam a luta das mulheres com algumas conquistas básicas obtidas, enquanto expõem o quanto ainda é preciso mudar institucionalmente e culturalmente para que os números de subnotificação, processos e condenações se modifiquem.

Os mitos sobre estupro e sobre como mulheres agem e são na vida cotidiana ainda impactam em como elas são tratadas em todas as esferas de um processo legal e precisam cair por terra. Expor casos como o de Marie faz parte dessa luta, porque o silêncio que cerca a violência sexual torna as vítimas meras sombras e isso as coloca como um alvo fácil de desumanização.

“Tem algo estranho nesse caso” anda junto com o silenciamento histórico que acompanha as sobreviventes de estupro. Uma conversa franca sobre violência sexual é necessária para combater a manutenção desse imaginário popular sobre a vítima e o estuprador e a quebra do silêncio é parte desse processo de construção de uma nova visão sobre consentimento, violência, vítima e agressor.

A desumanização também está em assumir que todas as vítimas agirão de uma forma específica e duvidar de todas que não respondam ao que se espera conforme o senso comum. As estranhezas que podemos enxergar num relato fazem parte, muitas vezes, de como o cérebro reage ao trauma: o choque causado pela violência afeta a memória e isso dificulta que a narração do acontecido seja linear, por exemplo. As reações de distanciamento do fato podem ser apenas a forma que a pessoa encontrou para lidar com o que passou.

Marie foi estuprada por um desconhecido que invadiu sua casa, mas a maioria dos estupros são cometidos por conhecidos da vítima. Em casos em que a denúncia recai em ex-namorados, colegas e afins, a credibilidade de quem denuncia é ainda mais baixa. Isso nos faz pensar em como o problema é ainda maior do que o exposto em “Falsa acusação”.

A história contada no livro funciona como um alerta sobre o quanto a cultura do estupro está impregnada em nossa sociedade e como ela colabora para a revitimização das pessoas, especialmente mulheres, que sofreram violência sexual. Uma mensagem nada inovadora, ao menos no meio feminista, mas que precisa ser reiterada enquanto for necessário.

Seis anos separam a Marcha das Vadias do #MeToo e as discussões sobre culpabilização da vítima, consentimento e misoginia institucional seguem buscando uma transformação que virá a partir da informação, do debate e da contestação do machismo e da misoginia.

Que a gente quebre o silêncio e conteste o tratamento que nos é dado ao denunciar casos concretos ou falarmos sobre o assunto. Que a raiva que sentimos ao conhecer casos como o de Marie nos mova para a mudança.


Tradutora da obra: Daniela Belmiro.


Observação: A história do livro foi adaptada em formato de série pela Netflix. Unbelievable é o nome da obra audiovisual em questão.


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#EleNão: as mulheres fazem política e história

Belo Horizonte — Letícia Vianna/Bhaz

Antes, durante e depois

No final de semana anterior ao primeiro turno da eleição de 2018, milhares de pessoas tomaram as ruas de diversas cidades do país e do mundo para se manifestarem contra o presidenciável Jair Bolsonaro e tudo que ele representa.

O movimento #EleNão começou a partir da criação de um grupo no Facebook chamado “Mulheres contra Bolsonaro”, se tornou uma hashtag e, por fim, ocupou também as ruas.

O rápido crescimento do grupo chamou a atenção da mídia e isso atraiu a ira dos fãs do candidato. Através de ameaças e invasões hacker, eles tentaram calar as mulheres. O resultado disso foi a multiplicação de grupos como esse em toda a rede, ações virtuais e a organização da maior manifestação popular dirigida por mulheres na história do Brasil*.

Antes do grupo, a rejeição feminina ao candidato já aparecia nas pesquisas eleitorais. Depois dele, essa rejeição ganhou força, rostos e passou a fazer questão de marcar presença no debate político, apesar do medo de represálias.

Na semana que antecedeu a data marcada para a mobilização, se viu um certo alarmismo nos grupos das mulheres contra o candidato. As ameaças, os xingamentos, os atos pró Bolsonaro sendo marcados na mesma data e a, ainda recente, invasão do grupão, que agora contava com mais de 3 milhões de participantes, intimidava. Mas isso não foi o suficiente para esvaziar as manifestações e elas foram descritas pelas participantes como diversas, alegres, acolhedoras, emocionantes e cheias de vida.

“Se cuida, se cuida, se cuida seu machista, a América Latina vai ser toda feminista” é uma dessas músicas que sempre aparecem nos atos, mas que dessa vez me tocou diferente. Me senti acolhida, esperançosa e forte no meio de mulheres de lilás que entregavam flores de papel colorido com pétalas #EleNão e me emocionei ao ver tantas pessoas se abraçarem, se cumprimentarem, enquanto carregavam no peito adesivos e estampas que exibiam que estavam do meu lado na luta por um mundo mais igualitário, justo e digno. Mesmo sendo tão diferentes de mim em tantos aspectos.

As mulheres foram a maioria, como o esperado, e também as protagonistas. Idosas, jovens adultas, adolescentes e até crianças cantaram “hoje eu acordei e ecoava ele não, ele não, não, não”, segundo o ritmo da Bella Ciao, o hino antifascista italiano.

O ambiente ao meu redor celebrava o afeto, a pluralidade e a alegria e, após sentir isso tudo no peito, eu percebi que essa energia e essa esperança são essenciais para combater o medo e o autoritarismo. “Se não posso dançar, não é minha revolução” disse Emma Goldman e eu repito essa frase hoje porque sei que essa liberdade está em risco e a nossa luta é também uma celebração do mundo que queremos viver.

Belo Horizonte — Letícia Vianna/Bhaz

#EleNão, #ElasSim

Tudo isso me fez pensar em como as mulheres continuam uma minoria na política representativa, mas ganham cada vez mais espaço nas ruas e nas redes.

Nos últimos anos, temos sido protagonistas da maior parte das mobilizações do país, mas ainda assim continuamos vendo mulheres serem usadas como laranjas de partidos políticos que precisam de candidaturas como essas para cumprirem a cota feminina e um desdém pelas opiniões políticas das mulheres.

Durante o período de mobilização do #EleNão, por exemplo, vi muitos homens, inclusive alguns que se posicionam contra o fascismo, tratando as mulheres envolvidas nesse movimento com paternalismo. Alguns chegaram até mesmo a desprezar a importância da organização das mulheres como fato político, acusaram as participantes de seguir modismos e tentaram tutelar a massa feminina insatisfeita. Outros preferiram insinuar que a iniciativa do grupo e dos atos “Mulheres contra o Bolsonaro” partiu de homens como os candidatos Haddad, Ciro e até Alckmin. Todos esses expuseram o quanto têm dificuldades reais de verem mulheres como agentes de qualquer coisa.

Na mesma esteira, li também defensores do #EleNão falarem que essa seria a primeira hashtag a entrar nos livros de história do Brasil. Uma frase como essa parece um elogio e até seria se não tivéssemos diversos exemplos anteriores de mobilizações femininas de grande impacto.

As vozes femininas — e, principalmente, feministas — ecoaram no Brasil e no mundo nos últimos anos**. Vimos a primavera feminista florescer no Brasil com a hashtag #MulheresContraCunha, por exemplo. Essa mobilização merece um destaque especial por ter também o caráter de rejeição ao fato do cara ser misógino, LGBTfóbico e péssimo enquanto político. Um dos motivadores desse repúdio coletivo foram os projetos de lei de autoria de Cunha e outros deputados que buscavam dificultar o direito ao aborto legal para vítimas de estupro. Um deles, o que tentava revogar a Lei 12.845, tem como um dos autores Jair Bolsonaro.

Além do #ForaCunha feminino, vimos também mulheres compartilharem relatos de violência sexual com as hashtags #PrimeiroAssedio, #MexeuComUmaMexeuComTodas, #ChegaDeFiufiu, #MeToo e outras e provocarem um debate público sobre a misoginia, estupro, assédio, culpabilização da vítima e silêncio.

Sei que muitos podem dizer que esse fenômeno transformador da quebra do silêncio sobre violência sexual não tem caráter histórico e eu rebato dizendo: “só porque trata de uma questão que atinge principalmente as mulheres não seria importante o suficiente para figurar em um livro de história?”.

Esse esquecimento*** de mobilizações femininas e a surpresa de alguns em ver um fato político ser capitaneado por mulheres diz muito sobre o porquê de estarmos nas ruas, nas redes e nos bairros, mas ainda custarmos atingir 30% de candidaturas femininas e sermos eleitas.

As mulheres se encontram como protagonistas quando a mobilização parte delas. Fora isso, elas precisam competir por espaço entre os que se colocam como os detentores por direito dele. Por isso, dizer #EleNão junto com tantas mulheres das mais diferentes vertentes políticas significa também dizer que a política é um espaço feminino.

Quando tomamos as ruas porque consideramos um candidato misógino, LGBTfóbico, racista, autoritário, agressivo e incapaz, a gente incomoda todo um sistema que nos coloca como subalternas aos nossos maridos, pais e namorados. Esse incômodo acontece porque ainda é considerado subversivo uma mulher ter ideias próprias e defendê-las através de organização e resistência.

Rio de Janeiro — SILVIA IZQUIERDO AP

*Um levantamento feito por um usuário do Facebook chamado Jonas Medeiros mostrou que 366 cidades marcaram atos. Três deles foram impedidos de acontecer pela justiça.

**O feminismo negro ganhou muito espaço nesses anos também e mobilizações contra o genocídio do povo negro chamaram atenção. #OndeEstáAmarildo, #QuemMatouMarielleFranco? e #LiberdadeParaRafaelBraga são alguns exemplos de movimentações nesse viés.

***A presença das mulheres na política não é algo recente e o fenômeno de invisibilidade e esquecimento relacionados com essa seara também não. Dona Leopoldina, conhecida como esposa de D. Pedro I, por exemplo, esteve envolvida na articulação da independência do país, apesar de não ser lembrada por isso. Em diversos movimentos da história, nós tomamos frente de movimentos que são contados em muitos livros de forma que dá a entender que foram feitos por homens. Alguns exemplos são: Revolução Francesa, Revolução Russa e Comuna de Paris. Não saber sobre o passado político das mulheres contribui para os movimentos das mulheres serem vistos como uma grande novidade ainda hoje. Para quem cresce sem conhecer, por exemplo, as sufragistas, o ativismo político feminino parece fora do lugar. O apagamento do nosso passado contribui para que os movimentos femininos de hoje sofram com tanto descrédito.

O feminino na história do Brasil e a feminilidade esperada

Arquivo pessoal — Adquira seu exemplar aqui.

As aulas de história, por mais interessantes que fossem, sempre me pareceram falar de um mundo que não era o meu. Os nomes lembrados nos livros didáticos eram sempre masculinos, brancos e ricos. As mulheres eram ausentes. D. Leopoldina, Carlota Joaquina e Princesa Isabel foram as poucas que apareceram nomeadas nas salas de aula que frequentei e hoje sei que suas participações foram bem diferentes das narradas ali e as impressões que temos delas se relacionam com os ideias de feminilidade das pessoas que escreveram a história que temos acesso.

A minha sensação enquanto estudante era de que faltava alguma coisa. Fora do material escolar, eu via mulheres sendo participativas, ousadas, resistindo ao que era dito que elas podiam ou não fazer. Não conseguia ver como possível que as mulheres tivessem passado tanto tempo da história sem participar diretamente dela.

Esse incômodo me provocou e me fez buscar saber mais sobre onde elas estavam e quem elas foram. Cheguei ao feminismo por isso e posso dizer que elas sempre estiveram ali, mas foram apagadas ou tiveram seus papéis diminuídos para caberem no estereótipo de feminilidade vigente na época e, em grande parte, ativo também nos tempos atuais.

Paulo Rezzutti, em “Mulheres do Brasil — a história não contada”, fala sobre essa invisibilidade e apresenta para o leitor mais de 250 nomes femininos e suas trajetórias. Com essa obra, ele desmistifica a ideia de que as mulheres ficaram passivas enquanto viam a história acontecer.

Diferente dos dicionários de mulheres que reúnem minibiografias de notáveis, Paulo tece um retrato dos efeitos do patriarcado na vida das mulheres de várias épocas sem tentar esgotar nomes e assuntos. Ele apresenta os feitos, os entraves e as consequências sociais que atingiam as mulheres que agiam fora do que era esperado e assim revela o panorama da moral patriarcal de outros tempos, enquanto faz questão de lembrar também de mulheres recentes como Marielle Franco e Maria da Penha e mostrar o impacto das opressões também em suas trajetórias.

Em seu texto, o autor cita diversas historiadoras, compartilha histórias de mulheres célebres e também das que são conhecidas só por quem se debruça na temática. Expõe, por exemplo, que o apagamento sistemático que atingiu as mulheres é ainda mais intenso com as negras e indígenas por causa do racismo. Faltam ainda mais dados sobre elas. O silêncio documental sobre essas mulheres significa que o não contato é mais do que feminino. Ele é marcado também por outras opressões.

Conhecemos com a obra histórias individuais que se enlaçam e revelam o controle exercido através do machismo na vida de cada uma delas e das anônimas de suas épocas. Esse controle as afastava do espaço público, mas tornavam suas vidas públicas. Qualquer desvio era o suficiente para colocá-las como foco de um falatório que tinha como consequência o isolamento, o abandono familiar e até mesmo internações em manicômios. Muitas das que são lembradas na obra foram justamente as que sofreram por se portarem como pessoas, não acessórios. Chiquinha Gonzaga, Julieta de França, Gabrielle Leuzinger Masset, Yde Schloenbach Blumenschein (Colombina) e Luz del Fuego foram algumas delas.

A boa mulher sempre foi a boa esposa, a boa mãe e a boa cristã, desde que não fosse religiosa demais. Ela podia participar da vida pública somente através de ações de caridade. Qualquer coisa fora desses papéis era uma transgressão e a maioria das que foram lembradas nessa obra figuram nela por terem buscado um mínimo de autonomia.

“Mulheres do Brasil — a história não contada” humaniza o feminino. Paulo Rezzutti nos apresenta histórias de heroínas, vilãs, artistas, escritoras, mecenas, transgressoras e mulheres com poder e dinheiro e torna público o fato de que somos diferentes entre nós desde sempre e capazes de atuar nas mais diversas áreas, mesmo quando elas nos são proibidas.

Esse livro é um trabalho que resgata a existência do feminino no meio de um mundo narrado por homens e nos faz pensar sobre o presente e o futuro. A política, espaço considerado masculino, ainda é um desafio para nós. Temos poucas mulheres no poder e lutamos hoje contra o machismo e a misoginia nesse meio, principalmente quando ele se manifesta em projetos políticos autoritários que ganham cada vez mais espaço.

Conhecer o passado nos ajuda a entender os desafios de hoje e a leitura de um livro como esse nos permite perceber melhor o valor da resistência dos movimentos de mulheres em todas as áreas, principalmente daqueles que destacam a importância da memória dessa história constantemente invisibilizada.

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Uma carta para Maria Luísa, a gorda

Arquivo Pessoal — Adquira seu exemplar aqui.

Nunca vi seu rosto, Maria Luísa, mas te conheci através de um livro da portuguesa Isabela Figueiredo. Por isso sei sobre seus pais, sua relação com David, sua amizade com Tonya, suas boas notas durante a escola, e também sobre seus peitos, sua barriga, suas dobras e seus desejos.

Posso dizer até que conheço sua casa sem nunca ter pisado nela. Sei, por exemplo, das plantas e móveis que sua mãe trouxe com ela de Moçambique e da sala de jantar que permanece fechada à espera de visitas.

Por tudo isso, sinto que somos íntimas, Maria Luísa. Conheço até mesmo suas contradições e pensamentos secretos, mas você não sabe nem meu nome. É estranho, tenho que confessar. Acho que preciso apresentar eu e meu corpo para você.

Sou Thaís e só fui gorda no único período de tempo em que ser assim é considerado bom em nossa cultura. Dizem que fui um bebê rechonchudo, com dobrinhas nas pernas que davam vontade de morder.

Desse tempo até agora, aos 28 anos anos, cresci muito pouco. Fiquei pequena, bem pequena mesmo, e tenho um corpo magro, mas não bonito o suficiente para os padrões, e ouço dos outros que não posso engordar, às vezes até que preciso emagrecer. Não como você ouviu durante toda a vida, claro. Sei que é muito diferente. No meu caso, eles falam de gordura, peso, curvas como um alerta, uma ameaça. Eles me mostram mulheres como você e dizem “você não quer ficar assim, quer?”.

Não falo isso por mal, Maria Luísa. Li a história do seu corpo e toda sua relação com ele e por isso sei que esse é o lugar que a sociedade insistiu em te colocar por tantos anos. Quero te mostrar que te entendi, que acompanhei sua dor página por página e que por causa de suas palavras conheci melhor o que significa ser gorda nesse mundo. É algo muito além da pressão para estar dentro do padrão de beleza. Eu até sabia disso antes, mas agora sei mais.

Para a maioria das pessoas, antes de você ser Maria Luísa, mulher, professora, ou qualquer outra coisa, você é gorda. Nesse mundo nosso, o corpo, especialmente o feminino, é um cartão de visitas. Por isso, ele se torna sua identidade perante os outros, quer você queira ou não, e a troça que fizeram de você fez você entender, logo bem cedo, que certos tipos físicos são vistos como errados e chegam até a afastar as pessoas. Sinto muito por isso. Durante a leitura de “A gorda”, obra em que você é a narradora-personagem, percebi as marcas e a dor que você carrega por conta da exclusão e da ameaça de solidão que sempre te acompanhou.

Nas páginas que me debrucei nos últimos dias, eu conheci uma mulher inteligente, interessante, que escreve, que se coloca, que ama cães, que cuida, que odeia, que sente, sente muito e tudo intensamente. Mergulhei em memórias e pensamentos e assim conheci uma personagem humana, marcante, que vive dilemas familiares, amorosos e profissionais que, pela via da empatia ou da identificação, cabem na vida de muitos nós.

Nunca vou esquecer suas palavras. Conheci muito de mim e do mundo ao me dedicar a ler a sua história. Obrigada por ter aberto a porta de sua casa para mim e para todos que pegam esse livro de capa avermelhada.

Atenciosamente,

Thaís


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As garotas mortas de ontem e de hoje

Garotas mortas, Selva Almada. Acervo pessoal. Adquira seu exemplar aqui.

Peguei o livro “Garotas Mortas” e fui para a varanda da casa dos meus pais aproveitar o sol de inverno. Me sentei na sombra com os pés já sem meia e me posicionei para que eles pudessem se esquentar numa nesga de sol, ignorando completamente o diagnóstico de alergia à luz solar que carrego comigo desde a minha última visita ao médico.

Antes de começar a ler de fato, decidi aproveitar a grama e a luz da manhã e fazer uma foto do livro. Peguei um pano vermelho, minha bolsa e o pires com algumas rosquinhas que levei para petiscar durante a leitura e montei o cenário. Com a foto feita, voltei para o conforto de uma cadeira de plástico com almofadas improvisadas e iniciei a leitura. Só percebi que a foto tinha alguns elementos que lembram um altar horas depois.

Selva Almada introduz as histórias das três jovens mortas no interior da Argentina durante o final da década de 1980 através de memórias que partem da ocasião em que ouviu o assassinato de Andrea Danne ser noticiado na rádio. A jovem tinha 19 anos quando foi morta com uma punhalada no coração no quarto da casa em que dormia com sua família.

“Eu tinha treze anos e, naquela manhã, a notícia da garota morta me chegou com uma revelação”, Selva afirma, enquanto declara que foi esse caso que fez ela perceber que o horror podia viver sob o mesmo teto e que estar em casa não era uma garantia de proteção.

A partir desse ponto, ela tece uma rede que relaciona notícias de mulheres mortas e histórias de jovens violentadas com suas lembranças e reflexões sobre. Nessa teia, surge María Luisa Quevedo, que tinha 15 anos quando desapareceu e teve seu corpo encontrado dias depois com indícios de violência sexual e estrangulamento, e Sarita Mundín, que sumiu aos 20 anos e quase um ano depois encontram restos mortais que foram considerados dela.

Ao investigar as histórias de Andrea, María Luisa e Sarita, a autora nos apresenta outros casos e um pouco sobre as cidades em que os crimes aconteceram, o contexto histórico do país, como foi a cobertura midiática e a visão da cidade sobre os crimes numa investigação que é contada em um formato que foge bastante do jornalístico, apesar do flerte com o formato. No fim, o entrelace de tudo que é apresentado é a presença da misoginia.

A história das garotas mortas são próximas, comuns, e repletas de situações que muitas mulheres vivem ou já viveram, especialmente aquelas que vivem em condições mais vulneráveis. A naturalização de certos comportamentos que envolvem machismo é exposta e a impunidade dos crimes é escancarada.

A rede de incidentes que Selva monta na obra se complementa com os crimes motivados por misoginia que são lembrados pelo leitor. No meu caso, enquanto leitora e mulher, também somei a essa fórmula o meu medo.

Uma das memórias que surgiram durante a leitura envolve um caso que aconteceu em meados de 2010, mais de 20 anos após os crimes tratados pela obra. Apesar do tempo que separa esses eventos, ambos se relacionam por serem feminicídios.

Eu fazia estágio numa vara cívil no fórum da minha cidade natal, um município de 200 mil habitantes, e uma mulher foi assassinada pelo ex-namorado no prédio em frente. Da janela, eu vi a polícia correr atrás de um homem sem imaginar qual crime tinha sido cometido. Depois, acompanhei o caso ser tratado como crime passional e alguns dizerem que o homem que desferiu nove facadas contra uma mulher o fez somente por ter usado drogas no dia.

Nessa época, poucos relacionavam crimes como esse ao machismo. A nomenclatura feminicídio já era conhecida por mim, mas não era utilizada pela mídia. Crime passional era a expressão empregada, enquanto as pessoas fofocavam sobre o que a moça fez de errado para ter esse fim.

O feminicida alegou como defesa o uso de drogas e o fato de que a ex-namorada tinha amigos sexuais e eu lembro de ouvir pessoas chocadas com o crime reagirem ao que ele alegava com um “mas também, hein? Isso é comportamento de mulher?”. Ele foi julgado, preso e recebeu uma pena alta, mas como em vários outros crimes contra mulheres, a revolta da população com a violência vinha acompanhada de poréns.

“Garotas mortas” é uma obra que provoca o leitor com uma narrativa curta, brutal e realista. Após a última página, a gente sente na boca um amargor por saber que a denúncia que Selva faz ainda é muito atual apesar de tratar de crimes que aconteceram há mais de trinta anos. Essa sensação é acompanhada da certeza de que é preciso desenterrar essas histórias e contá-las de forma que se exponha toda a misoginia que molda nossa sociedade.

Mulheres morrem por serem mulheres no interior da Argentina nos anos 80 e também hoje aqui no Brasil. De norte a sul, elas são mortas, estupradas, maltratadas, enquanto muitos ainda negam a influência do machismo nesses crimes e o quão sistêmica essas violências são. As denúncias precisam continuar até que, enfim, a realidade seja outra.

A pergunta que fica é: quais desaparecimentos importam?


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De princesa à bruxa

Imagem de parte do kit press que recebi da Editora Leya — Acervo Pessoal — Adquira “A princesa salva a si mesma neste livro” aqui e “A bruxa não ai para a fogueira neste livro” aqui.

Se em a princesa salva a si mesma neste livro, Amanda Lovelace começa com um poema que homenageia o personagem Harry Potter e isso se relaciona com o conteúdo da primeira coletânea da autora, a referência à Katniss Everdeen em a bruxa não vai para a fogueira neste livro também não é por acaso.

Ao falar da personagem principal da trilogia Jogos Vorazes, Amanda diz que a garota em chamas a inspirou a inflamar o mundo. Com poesias que tratam sobre cultura do estupro, críticas aos padrões de beleza, violência, opressão histórica e luta, a poeta tenta acender uma chama dentro de cada uma de suas leitoras.

A trajetória de princesa à rainha do primeiro livro é sobre descoberta, amadurecimento e resiliência. Nela, a escritora de New Jersey expôs sentimentos, experiências, perdas e as violências que passou. Ela partiu de si e atingiu diversas pessoas que viveram situações parecidas.

Compartilhar histórias, principalmente essas que comumente são jogadas para debaixo do tapete, como a Amanda e muitas outras fizeram, encoraja outras pessoas a falarem de acontecimentos semelhantes e a reconhecerem o que viveram.

Seja através de poesia, contos, crônicas, artigos ou mesmo hashtags como #MeToo, #MeuPrimeiroAssedio e #MeuAmigoSecreto, vozes, principalmente femininas, estão sendo amplificadas e o que elas dizem mostram ao mundo o quanto a violência e o machismo ainda é, infelizmente, parte da vida das mulheres.

Durante a leitura de a bruxa não vai para a fogueira neste livro é impossível não pensar nesse momento que vivemos. As mulheres descobriram que outras também passam e passaram por situações semelhantes às que elas vivenciaram e que isso não é por acaso. Há um sistema de dominação por trás de tantas coincidências.

Quando Amanda escreve sobre as mulheres que vieram antes de nós e foca, principalmente, nas bruxas queimadas em fogueiras, a gente se lembra que o sistema que abafa tantas vozes hoje fez o mesmo no passado.

A intertextualidade, muito presente no trabalho da autora, é usada também para nos fazer pensar em todo esse sistema. Obras e personagens ficcionais, como June, de O conto da Aia, são lembradas em poemas. Todos os nomes presentes dessa forma no livro se relacionam com resistência. Inclusive o de Emma Sulkowick, que não é uma escritora ou uma personagem ficcional, mas é lembrada por Amanda por ter carregado durante anos um colchão por todo o campus universitário como um protesto contra os estupros que acontecem nas universidades e como eles são tratados pelas instituições.

A performance feita por Emma recebeu o nome de “Carry that weight” e se relaciona com sua própria vivência. Ela sofreu um estupro, denunciou, o caso foi arquivado pela universidade e ela seguiu todo o curso sendo obrigada a conviver com quem a violentou. Ao andar com o colchão em que ela sofreu a violência pelo Campus, Emma compartilhou com o mundo sua história como um manifesto.

a bruxa não vai para a fogueira neste livro reúne muito do que descobrimos coletivamente nos últimos anos e convida quem lê para mudar esse sistema que segue vitimando mulheres por serem mulheres. A obra cita exemplos de força, como June e a ativista Emma, e pode ser lida como um manifesto poético. Nela, o fogo é colocado como a matéria-prima para a transformação. Ele representa a raiva, a luta e a resistência.

De princesa à bruxa. Que o futuro nos reserve uma transformação que mude a realidade das mulheres que vivem nesse mundo.


No dia 11/07/18, a Editora Leya promoveu um encontro com leitoras. Conversamos sobre muita coisa, entre elas, sobre a importância de poetas como Amanda Lovelace. Além do bate-papo entre editoras e leitoras, rolou também uma live com a autora de a princesa salva a si mesma neste livro e a bruxa não vai para a fogueira neste livro. O conteúdo é em inglês e está disponível no Facebook da editora. Confira a live aqui.


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Calamity Games: uma editora de boardgames feita por mulheres

Descobri a Calamity Games através do financiamento coletivo dos jogos Metro e Merlin no Catarse. Ao ler sobre o projeto, notei que as pessoas por trás dele eram duas mulheres, Paula Soares e Marina Mattos. Não é todo dia que posso unir minha veia “valorize as minas” com meu hobbie preferido, por isso, aproveitei para fazer essa entrevista.

O que é a Calamity Games? Como surgiu? Qual a origem do nome?

A Calamity Games é uma editora de board games, localizada em Belo Horizonte, que publica jogos para o mercado nacional. Somos grandes amantes de board games e achamos que esse mercado seria um bom investimento. Nosso principal objetivo é fornecer aos nossos clientes o que gostaríamos de receber como consumidores.

As investidoras e empreendedoras da empresa são todas mulheres e procuramos uma inspiração feminina que nos representasse. Foi assim que chegamos à personagem da Calamity Jane, uma mulher pioneira e destemida da História do faroeste americano. Ela fez de tudo um pouco, foi generosa e desafiadora e achamos que seria uma boa representação nossa e para o que queremos fazer: causar calamidade no mercado.

Os jogos Metrô e Merlin estão no catarse numa campanha de financiamento coletivo flexível feita por vocês. Vocês podem falar um pouco sobre os jogos, a escolha pelo financiamento coletivo e as metas estendidas?

O Merlin foi um grande sucesso na feira Spiel de Essen (Alemanha) no ano passado e achamos que seria um ótimo jogo de peso para trazermos. É um jogo pra jogadores um pouco mais experientes, não necessariamente pela complexidade, mas pela quantidade de possibilidades de ações e estratégias. Apesar disso é um jogo para a família e pode ser jogado com crianças de até 10 anos.

O Metro, em contrapartida, é um jogo que foi renovado pela Queen cuja caixa básica já vem com 4 expansões. É um jogo bem leve e ideal para iniciantes. Você consegue explicar o jogo em 10 minutos e as partidas são curtas. Também é um jogo que comporta até 6 pessoas, enquanto a maioria dos jogos é para até 4 jogadores. Uma das expansões faz o jogo mudar completamente, e adiciona um grau de complexidade maior que os jogadores experientes vão gostar e os iniciantes podem começar a evoluir. As expansões também são combináveis o que cria muitas possibilidades de jogos.

Escolhemos o financiamento coletivo exatamente por sermos uma empresa iniciante. Achamos que com isso ganharíamos visibilidade, credibilidade oferecendo segurança aos nossos clientes, em comparação com uma pré-venda realizada diretamente no nosso site, por exemplo. Vendendo diretamente ao cliente também poderíamos oferecer preços melhores e atrair mais pessoas a experimentarem os jogos.

Como os jogos já estão prontos e não são protótipos, não podemos oferecer melhorias nas metas estendidas, por isso achamos uma boa oportunidade pra oferecer alguns acessórios e fidelizar nossos clientes.

E os próximos planos da Calamity Games? Dá pra adiantar alguma coisa?

Bem, ainda queremos manter o suspense sobre os lançamentos, principalmente porque só queremos anunciar quando estiver absolutamente certo que o jogo vem. De preferência, só faremos o anúncio quando já estiver em produção.

Temos uma parceria sólida com a Queen Games e pretendemos trazer o máximo de jogos deles possível. Mas também queremos trazer jogos de outras editoras menos conhecidas. Já temos um jogo de uma estreante holandesa, um jogo consagrado de uma editora americana e temos contato com uma editora indonésia. Achamos que os jogos são uma experiência cultural e queremos jogos bem variados e que façam uso de diferentes habilidades.

O jogos de tabuleiro agradam vocês por quais motivos?

Paula: Acho que pra mim é uma atividade de lazer, um hobbie, que promove a interação com pessoas reais, a competição de uma forma saudável e desenvolve habilidades e raciocínio de maneira divertida.

Marina: Os jogos de tabuleiro hoje em dia para mim são a minha maior conexão com os meus amigos no Brasil, o que faz essa atividade 10 vezes mais especial. Mas como a Paula disse, gosto da forma como eles são uma forma divertida de desenvolver o raciocínio e estratégia.

Quando vocês começaram a jogar? Teve algum jogo que funcionou como um divisor de águas?

Paula: Acho que jogos modernos comecei no início da década de 2000. A gente começou vendo programas de jogos na internet e importando o que dava. Acho que o divisor de águas não foi um jogo, mas quando começaram a surgir editoras fazendo versões nacionais dos jogos. Aí o acesso cresceu exponencialmente.

Marina: Eu comecei a jogar com a Paula e os nossos amigos! Eles me introduziram na jogatina e daí meu interesse foi crescendo dia após dia. Mas o jogo que me fez ver que eu gostava mesmo desse hobby foi o Catan que é pra mim o clássico dos clássicos.

Marina e Paula, as amigas à frente da Calamity

Quais são os jogos preferidos de vocês hoje?

Marina: Pra mim ainda é o Catan, pois é um jogo que agrada todo mundo e é bom para se aprender o que são os jogos modernos, afinal, não é à toa que está aí há muitos anos. Além disso, estou sempre aberta a testar os jogos infantis e sou apaixonada por jogos de zumbi.

Paula: Nossa, acho que meus favoritos vão sempre mudando. Um que me apaixonei recentemente foi o Alquimistas. É um jogo dedução com a temática de alquimia, que eu adoro. Você tem que descobrir a natureza das plantas usadas pras poções. Mas acho que Lords of Waterdeep é um do qual nunca canso.

Hoje há aplicativos de jogos muito conhecidos. De cabeça, me lembro do Ticket to Ride, Black Stories e Tsuro. Vocês gostam dessa alternativa?

Acho que aplicativos são bons para ajudar as pessoas a conhecerem os jogos. Falar de um jogo e jogar são coisas bem diferentes e nem sempre existe acesso ao jogo para uma partida de experiência. Então através do aplicativo você tem acesso à mecânica geral do jogo e pode ver se gosta ou não. Mas acho que a substituição do jogo analógico pelo virtual, mata metade do propósito dos jogos de tabuleiro. A ideia é realmente sair do virtual, jogar e interagir com pessoas de maneira física. Mover as peças, olhar a cara do adversário, rir, fazer piada. A experiência de um jogo analógico é muito mais completa.

Um dos jogos que estamos trazendo, o Metro, tem uma versão de aplicativo bem legal. Quem quiser conhecer, fica aí o convite.

Curtem jogos online?

Marina: Eu adoro jogar Playstation e jogo todo domingo online com um amigo. No momento estou jogando Life is Strange que é um jogo sobre uma estudante de fotografia que descobre possuir a habilidade de voltar no tempo em qualquer momento, fazendo com que cada escolha sua crie um efeito borboleta; uma premissa muito interessante.

Paula: Eu gosto de MMORPG. Joguei muito WOW. Mas sou uma jogadora casual, mesmo jogando há muito tempo. Gosto da história, do ambiente, das missões da exploração mais do que da construção de habilidades e tal.

Temos visto muitas mulheres reivindicando espaço nos jogos online e fazendo denúncias sobre assédio e machismo do meio. Essa reação das mulheres jogadoras se dá muito pelas discussões sobre esses temas terem ganhado o mundo, vocês acreditam que o machismo afeta também o mundo dos jogos de tabuleiro? Vocês acham que essas discussões também tem impactado positivamente a comunidade dos jogos analógicos?

Com certeza há muito machismo nos jogos de tabuleiro também. Existem algumas iniciativas muito legais no sentido de promover um espaço seguro para as mulheres jogarem como o Lady Lúdica, LudoGirls e BoardGame Girls que fazem eventos em que homens não são permitidos ou são minoria. Se esses eventos existem e permanecem é porque há uma necessidade de espaços onde as mulheres são protagonistas e não “acompanhantes”. É fácil ver atitudes machistas não só dos jogadores individuais, mas também de lojas e eventos.

Como uma empresa formada e comandada por mulheres achamos super válido essas iniciativas e temos a intenção de apoiar e participar assim que possível.

Com certeza essas iniciativas fomentam discussões. Já vi muitos homens espantados, sem entender a necessidade de um evento só de mulheres, ou mesmo criticando a iniciativa (o que só reforça a necessidade de um espaço seguro). Os eventos são para as mulheres, mas eles fazem os homens pararem e pensarem, ou até discutirem sobre o assunto. E a solução do machismo não é a segregação; é a conscientização.


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