“As cientistas” e o poder de descobrir que mulheres também mudam o mundo

Capa do livro “As cientistas — 50 mulheres que mudaram o mundo”. Adquira seu exemplar aqui.

Quando eu era criança, uma das coisas que eu gostava de fazer era passar horas e horas numa praça próxima da minha casa. Ali eu brincava na areia, no parquinho, jogava bola e observava insetos e plantas. Depois, o inseto observado era eternizado num papel com meus traços e ganhava um nome criado por mim, que era válido até eu descobrir a espécie dele ao consultar os livros de biologia do meu padrinho. Eu fazia isso por curiosidade e porque queria descobrir um animal ainda não encontrado. Adulta, por meio do livro “As cientistas”, escrito e ilustrado por Rachel Ignotofsky e traduzido por Sonia Augusto, descobri Maria Sibylla Merian, uma alemã que nasceu em 1647 e marcou a história da ciência com as descobertas que fez sobre insetos. Com a observação e a ilustração, ela documentou a metamorfose da borboleta e classificou diversas novas espécies dessas criaturas.

Entre as muitas profissões que pensei em seguir nessa época, as que se destacavam se relacionavam com minha curiosidade sobre fósseis e rochas. Eu tinha no quarto uma pequena réplica de um esqueleto de Tiranossauro Rex e, como brincadeira, adorava procurar e colecionar pedras diversas. Sabendo que sou de Minas Gerais, muitos podem se enganar e achar que o meu gosto por pedras e escavações se relacionava com ouro, diamante e esmeralda, mas a fonte disso tudo era meu amor por dinossauros, o fóssil Luzia ter sido encontrado relativamente perto da minha cidade, um documentário que vi sobre vulcões e uma visita às Grutas de Maquiné e Rei do Mato. Adulta, mais uma vez com o livro “As cientistas”, conheci a história de Mary Anning, uma inglesa nascida em 1799, que colecionava fósseis e foi uma paleontóloga. Ela descobriu os primeiros esqueletos de ictiossauros e de plesiossauros e seu trabalho foi importante para ajudar a provar que a extinção acontece.

Durante a leitura do livro de Rachel Ignotofsky, eu lembrei muito da minha infância e a cada nome e história que eu descobria, eu pensava em como saber disso antes poderia ter me feito bem. Apesar de ter inúmeras anedotas para contar que se relacionam de alguma forma com ciência, em algum momento da minha história, eu aprendi que esse espaço — e muitos outros — não era pra mim. Eu conhecia Einstein, Pitágoras, Tales e Galileu, ouvia falar dos navegadores com nomes masculinos e dos tantos presidentes homens da história e, sendo mulher, um dia tudo isso começou a soar como se eu fosse uma intrusa num mundo de homens. Se eu tivesse em minhas mãos essa obra há vinte anos atrás, talvez eu fosse uma cientista hoje ou apenas confiaria um pouco mais no meu taco.

Escrevo e pesquiso sobre mulheres notáveis há algum tempo. Faço isso por considerar essencial que mulheres conheçam a sua história e que homens aprendam a reconhecer meninas e mulheres como tão capazes quanto eles. “As cientistas” tira a cortina da invisibilidade de diversos nomes de mulheres que fizeram ciência e prova, para aqueles que ainda duvidam da capacidade feminina de descobrir, pesquisar e estudar, que somos inteligentes e curiosas.

Nomes conhecidos como Marie Curie, Ada Lovelace e Hipátia dividem espaço com Mae Jemison, Katia Krafft, Sau Lan Wu, Annie Easley e outras. Além das mini biografias, têm glossário, linha do tempo e dicas de fontes para quem quer pesquisar sobre. Quem gosta de saber mais sobre história das mulheres ou sobre descobertas científicas vai adorar ler esse livro e apreciar a linguagem didática, as fofas e coloridas ilustrações de Rachel e a linda edição que a editora Blucher preparou.


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O Mineirão é nosso: o dia que a festa foi das mulheres

Eu, minha blusinha e o Mineirão de fundo.

Era agosto, o Brasil era sede dos jogos olímpicos e eu estava a caminho de um Mineirão que receberia nesse dia o maior público do ano até a data. Na véspera, gastei alguns minutos com uma caneta para tecido escrevendo “Marta, Cristiane, Formiga & Beatriz” em uma blusa branca.

A seleção feminina de futebol estava fazendo uma belíssima campanha: dois bons jogos que garantiram a vaga nas quartas e um jogo mediano em que as principais jogadoras foram poupadas. O estádio estava cheio, bem colorido, encontrei uma moça que carregava uma faixa que divulgava o time em que jogava, minha camisa foi elogiada e conseguimos um lugar bem perto do campo.

Cheguei cedo e pude assistir o aquecimento das jogadoras e observar a arquibancada. Ela ainda estava se enchendo e, diferente dos outros jogos que já tinha ido, era predominantemente feminina. Marta, Cristiane, Formiga, Bárbara e Beatriz em campo fizeram muitas mulheres perceberem que o estádio, num todo, também era espaço para elas e mexeram com o ego de muitos homens que ainda insistem que futebol feminino é ruim de assistir. A modalidade feminina ainda é considerada chata, previsível e sem grandes emoções, mas o jogo Brasil x Austrália, e tudo que seguiu após esse dia, mostrou que não é bem assim. O mesmo time que perdeu do Brasil por 5 x 1, venceu a seleção brasileira nos pênaltis na semifinal, mostrando que o futebol feminino, assim como masculino, tem sua dose de imprevisibilidade e de estratégia.

O jogo foi marcado pela tensão. Passei a partida sentindo falta da Cristiane nas finalizações, já que o gol não queria sair. Formiga, como sempre, parecia estar em todos os cantos do campo. Marta, mesmo muito marcada, buscava oportunidade. Bárbara estava a postos. O Mineirão estava gelado, mas o público seguia gritando Marta, Bárbara e Formiga. O frio apertava, enquanto o tempo da prorrogação acabava e a decisão ia para os pênaltis.

Foi a primeira vez que vi disputa por pênaltis ao vivo. A ansiedade — e o frio — só aumentava e eu não aguentei ver as cobranças do meu lugar, me levantei e fui para perto da saída. Vi tudo dali, ou melhor, senti, já que fechei os olhos algumas vezes durante as cobranças. Bárbara nos salvou e foi eleita Santa por aqueles que são fãs de futebol e alcunhas cristãs, o que não é meu caso. O Mineirão virou festa.

A tensão e alegria se misturaram e seguiram comigo até chegar em Divinópolis, minha cidade natal. Elas foram minhas companheiras de estrada durante todo o percurso e encheram minha boca de palavras e “causos” sobre o primeiro jogo de futebol feminino que vi no estádio. Quando cheguei, o sono não foi tranquilo, porque as narrativas dentro de mim estavam ansiosas para serem contadas.

Nesse dia, eu fui uma mulher de vinte e muitos anos e também a criança que sempre sonhou em prestigiar atletas olímpicos e jogava bola todo dia após a aula. Nesse dia, eu vivi um jogo inesquecível nas arquibancadas.

Encontrei no Museu do Futebol a camisa que a Bárbara usou no famigerado jogo Brasil x Austrália.

Leia também: Museu do Futebol: o meu e o do Pacaembu

Esse texto faz parte da campanha #MulheresNoFutebol, organizada por mim e pela Francine Malessa. Saiba mais aqui.

Descobrindo vozes

Daniela Vaz

Lady Francisco, atriz de 82 anos, já havia relatado no passado que sofreu dois estupros em sua vida e recentemente falou mais sobre. Disse que foi estuprada por um diretor da TV Globo há cerca de 50 anos e ao ser perguntada sobre o porquê de não ter denunciado respondeu: “Naquela época? Quem acreditaria em mim? Iam dizer: “Essa aí, mal chegou e já está aprontando”. Mas hoje eu faria um escândalo”.

Ela comentou também que admira o quanto mulheres tem lutado contra a violência sexual: “Tenho muito orgulho de ver o quanto a mulher evoluiu na defesa da própria dignidade. No meu tempo, a gente era estuprada e tinha de ficar quieta; hoje, um assédio repercute de tal maneira que o agressor tem de reconhecer publicamente”.

Apesar dos números de violência contra a mulher continuarem altíssimos, do machismo ser a nossa realidade e da culpabilização das vítimas de violência de gênero ainda guiar maior parte da sociedade, as coisas estão mudando lentamente. A fala de Lady Francisco evidencia isso.

O discurso do “não é não” está na boca das mulheres, juntas estamos aprendendo que a culpa da violência que sofremos não é nossa e vendo que apesar de muitos continuarem nos culpando, há quem nos apoie. Estamos assimilando que é preciso apoiar umas às outras e somando nossas vozes na hora de denunciar a violência sistêmica que nos acomete.

Quando uma mulher faz uma denúncia, bota a boca no trombone, outras mulheres se sentem encorajadas a também denunciar, falar sobre, quebrar o silêncio. Nossas histórias estão, enfim, saindo debaixo do tapete. E esses relatos nos ajudam a compreender que o machismo é estrutural e que é preciso combatê-lo em todas as esferas. Essa tomada de consciência é o que nos faz perceber a importância de colocar em prática a frase “Mexeu com uma, mexeu com todas”.


Publicado originalmente em minha página do Facebook.

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O corpo sem culpa

Ilustração minha. Descrição: som, caixa de som, símbolos musicais, balões e uma moça dançando com os escritos “O corpo é uma festa”.

Uma das frases célebres de Eduardo Galeano comenta sobre as diversas maneiras de se encarar o corpo de acordo com os ideais da igreja, da publicidade e da ciência. Para igreja, o corpo é uma culpa, para a ciência uma máquina e para publicidade um negócio. Sempre amei essa fala dele porque ela termina com o corpo se afirmando como uma uma festa.

Para mim, o corpo é uma festa. Ele funciona, diverte, às vezes se excede, faz parte da nossa identidade e é também social. Ser uma festa é o que faz com que as pessoas e instituições queiram tanto controlá-lo. Vivemos num tempo em que querem fazer com que essa festa seja comedida, funcione numa lógica de corpo-máquina. Tudo planejado, tudo medido, tudo pesado, todas as calorias contadas. A frase de Galeano precisa de uma atualização: para uma visão terrorista da saúde, que se apoia num padrão de beleza irreal, o corpo é culpado por ser orgânico e não robótico.

O corpo pode também ser máquina, não nego, mas se a gente só o define assim, a gente finge ignorar que o funcionamento dele é humano e justamente por isso às vezes ele falha, a gente exagera, a gente se diverte. Ele é mais do que funcionalidade, ele também é a gente e a ferramenta para que a gente viva conforme o que nos faz feliz.

A máquina precisa de uma quantidade certa de combustível. Nem um pouco a menos, nem um pouco a mais. Encheu o tanque, acabou. E esses tempos dizem que a gente tem que funcionar assim, como se cada refeição fosse uma ida ao posto.

O corpo é parte de nós e a gente é bicho humano, ser social, e para nós a comida tem um significado muito além desse que nos trata como maquinário. Comer é importante e não só para nos manter com o tanque cheio para os dias que irão vir, mas também porque dividir comida com alguém, cozinhar junto com o outro ou fazer uma comidinha gostosa para uma pessoa querida é parte do que entendemos como convívio humano, demonstração de carinho e conforto.

Quando a gente pega a comida e a resume em algo que tem que ser sempre funcional, a gente ignora o significado do almoço com a vó no domingo, da jantinha de aniversário de namoro e do petisco que comemos com os amigos. A comida é parte essencial de como a gente vive o mundo das relações e adicionar culpa ao ato de comer é fazer com que cada momento que deveria ser de compartilhamento, seja de culpa, sofrimento, ansiedade.

O corpo é uma festa, justamente por isso a hora de comer é mais do que simplesmente nutri-lo de forma regrada, culpada, comedida. O corpo se alimenta também dos momentos que vivemos, das relações que cultivamos e principalmente, de quão saudável nossa mente está. A culpa não tem que ter espaço na mesa, a festa que somos sim. Somos mais que funcionais.


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Museu do futebol: o meu e o do Pacaembu

Eu devia ter uns sete anos ou menos quando comecei a correr atrás da bola durante o recreio e depois do fim das aulas. Me dividia entre brincar de skate de dedo, dançar Chiquititas, pique esconde, fugir da bola na queimada, correr e chutá-la na quadra e participar de todas as variações possíveis de brincadeiras relacionadas ao futebol. Eu só queria me divertir.

Mesmo menina, eu já sentia que o mundo não via o futebol como um lugar de mulher quando ouvia de adultos que era estranho eu gostar de jogar bola ou quando eu tinha que pedir permissão para os meninos para jogar no recreio, mesmo com a quadra reservada para a minha turma. Os donos da quadra e da bola eram eles, eu era apenas uma mera visitante.

Cresci vendo os professores de educação física dividirem a turma entre meninos e meninas, eles no futebol, elas no vôlei, enquanto em casa, eu jogava Nintendo com meu irmão e um dos jogos queridos era o Ronaldinho Soccer 98. Mais tarde e junto com ele, eu entrei no mundo dos jogos de treinadores e acompanhei desde Elifoot e Brasfoot até CM e FM. Abandonei a quadra e me mantive na redoma dos jogos virtuais até que de tanto ser sempre a visitante, acabei me tornando apenas uma turista. Os donos da quadra e da bola conseguiram o que queriam: eu fui para o meu não lugar.

Desde então, o futebol ficou de lado. Fui expulsa pelo pior dos fandons com seus intermináveis “então me explica a regra do impedimento!”, vi o meu gosto pelo futebol ser podado até restar apenas uma sementinha que só deve ter continuado viva porque eu sabia que mulheres também driblavam, afinal, por alguns anos eu fui uma delas.

Descrição: foto minha olhando para molduras com fotos históricas. A foto que se destaca é a de um time feminino.

Depois de anos nesse não lugar, foi uma visita ao Museu do Futebol que me fez sentir vontade de voltar a enfrentar esse fandom. Já na primeira sala, eu vi que ia gostar do passeio ao me deparar com cartazes das olimpíadas modernas, vídeos de esportes que incluem crianças com deficiência, uma linda homenagem à Chapecoense e um mundo de escudos, imagens, faixas relacionadas ao esporte e entre elas, eu via algumas que mostravam que elas tinham vez ali.

Entre os craques homenageados, tinham Formiga e Marta incluídas. Entre as fotos históricas do futebol, havia times femininos, imagens de partidas, a lembrança do decreto-lei que proibiu mulheres de praticar o esporte por décadas e alguns recortes de jornais de outras épocas que evidenciam o machismo que ainda hoje atinge as mulheres envolvidas no esporte. Nas várias exposições do museu, fala-se delas. Talvez com uma certa timidez em alguns momentos, mas a lembrança de que elas existem e resistem está lá e eu, enquanto feminista e com um museu de histórias pessoais com futebol, saí de lá com vontade de abandonar o meu não lugar e invadir a quadra e tomar a bola até que todos os espaços também sejam nossos.


Leia também “Musas não, torcedoras”, texto que escrevi para o Ativismo de Sofá com umas dicas de como tornar o futebol um ambiente menos machista e essa pequena biografia que escrevi para o Mulheres Notáveis sobre a Léa Campos, primeira árbitra de futebol profissional do mundo.


Museu do Futebol, cadê a Cristiane Rozeira na parte dos craques? A mulher é a maior artilheira das Olimpíadas, ela merece!


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Eu continuo tentando

Print do site “E se o jogo Brasil x Alemanha ainda estivesse rolando?” porque o sentimento atual é como se fosse isso aí.

O Brasil vive vários 7 x 1 diários. Na verdade, tem dia que a gente nem consegue esse golzinho de honra. A gente tem sentido o cheirinho da ameaça de perder direitos toda hora, estamos acuados, assustados e tão impressionados com a rapidez de tudo que está acontecendo que simplesmente ficamos assistindo a cada perda e a cada ameaça sem piscar e sem conseguir fazer muita coisa. Quando se ataca a capacidade de ter esperança, é difícil fazê-la brotar de novo.

Eu continuo tentando. Sou dessas que ainda digita um textão na caixa de comentários do Facebook de páginas de grandes jornais brasileiros, sou dessas que continua buscando o diálogo, sou dessas que tenta não desistir e se apega às pequenas vitórias para conseguir seguir com esperança. Mas também sou dessas que tira férias de acreditar e deixa a vida seguir até conseguir fazer tudo isso de novo, porque acreditar tem vez que dói e a gente precisa se afastar para cuidar dessas feridas. Tem que ficar esperto, sabe? Porque se a gente não descansa de acreditar, a esperança não é mais capaz de regenerar e morre.


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Celular na mão e carro estacionado no Leblon

Grazi Massafera deixou a academia com o celular na mão. Caetano Veloso estacionou o carro no Leblon. Emanuelle Araújo atravessa a rua concentrada. Chico Buarque compra baguetes para o lanche da tarde. Todas essas manchetes mostram acontecimentos do cotidiano que só se tornaram importantes por causa do sujeito da frase. Sujeito que, ao contrário de nós, tem suas ações eleitas como noticiáveis.

Quando a gente observa cada momento do nosso cotidiano e cria uma manchete para ele, ao mesmo tempo em que a gente se sente treinando para trabalhar em um site especializado em fofoca, surge também o sentimento de que se é importante. Sim, importante. A gente quase se sente de terno dependendo do que você anuncia.

Laura enviou e-mails importantes para a chefia hoje. Laura fez isso com a blusa toda amarrotada e com a calça suja de molho de tomate do almoço. Laura saiu mais cedo da Firma hoje para comemorar com colegas do serviço o sucesso de um trabalho. Se você pegar qualquer um desses acontecimentos e transformar em uma manchete, você fará muita gente (inclusive a própria Laura) encarar a personagem ali exaltada como uma possível executiva de sucesso, a próxima capa da revista Exame ou Caras, não importa.

O efeito é poderoso. Eu sei, parece ser ótimo para dar um boom de autoestima, mas nem sempre funciona como a gente imagina. Se você anuncia detalhes da sua virose dessa forma, o senso de importância não é positivo e você se sente apenas um nojento. Talvez o mais nojento de todos. O nojento que até vira notícia, uma pessoa muito repulsiva.

O dia-a-dia está lotado de possibilidades de estrelar chamadas jornalísticas, se você é uma celebridade. Como? Onde? Com quem? Tudo isso interessa. Privacidade é item do passado. Mesmo se seus passos não interessam a uma legião de fãs, a privacidade já se tornou um artefato de museu. Anunciamos os acontecimentos do dia nesses diários de bordo da vida conhecidos como redes sociais. Adoramos falar onde fomos, marcar nossos amigos nas fotos e responder o “com quem?” espontaneamente. Aqui não tem essa de assessoria. A gente gosta de se sentir especial mesmo, né?

Aline comeu pepino e está com gases. Breno aconselhou Aline a não comer pepino, porque sempre que ele come, ele passa mal. Carol usou delineador num ônibus em movimento e não terminou o ato parecida com um panda. Débora correu na orla da praia. Elisa vomitou no colo de seu pai. Felipe foi a uma barbearia chique — tem até sinuca! — e saiu de lá com a barba de sempre e o bolso bem mais vazio que o normal. Gabriela foi vista entrando em um ônibus. Hélio comprou um refrigerante diet. Isabel foi ao cinema. Janaína fez a feira. Kelly peticionou. Lucas foi visto comendo pipoca. Mari recolheu as fezes de seu cão enquanto passeava com ele. Nádia afirmou que prefere café. Olga usou sua bicicleta. Paulo chorou. Quércia pegou um táxi. Raquel rachou o táxi com Quércia, pois era táxi lotação. Stela foi ao restaurante e fez cara de satisfação quando o prato chegou e também quando ele acabou. Thaís escreveu mais um texto medíocre como exercício de se manter escrevendo. Umberto dormiu até tarde no domingo. Valdívia fez um gol, mas não foi no futebol profissional, foi na pelada dos caras do escritório. Wanessa não é Camargo, mas também ganhou um processo por danos morais. Seu caso não envolvia famoso algum. Seu nome foi parar no SPC e no Serasa injustamente. Xavier abriu uma escola. Ela não tem como público-alvo jovens mutantes, é só uma salinha que reúne professores que dão aulas particulares para quem vai prestar ENEM. Zélia se matriculou na escola de dança.

Sentiu um pouquinho do senso de importância de encontrar seu nome ou algum ato que você fez? Tão reconfortante. Tão útero quentinho. Faz a gente se sentir um snowflake especial, não é? Ao mesmo tempo que dá uma sensação de que o controle não está mais em nossas mãos e que não somos tão especiais assim e que alguém logo vai perceber isso.

As manchetes dos famosos só existem para fazer com que a legião de fãs deles sinta aquela identificação que surge com a percepção de que eles são gente como a gente. A gente gosta disso porque sentir que somos um pouco parecidos com celebridades nos dá uma sensação de que temos valor também e isso só existe porque sentimos que eles estão num patamar diferente. Nesse mundo, nosso patamar é inferior ao deles e é por isso que a gente busca o mérito de se identificar com algo que o famoso faz. A gente quer subir uns degraus e achar que pode olhar para os outros como se houvesse realmente um topo, como se a gente realmente estivesse nele.

Queremos tanto nos sentir um pouco mais especiais.


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