“A Pediatra”: pensando nas personagens difíceis

Acervo pessoal – Compre seu exemplar aqui!

Com capítulos curtos, ritmo de um turbilhão de pensamentos, deboche e uma personagem controversa e bem construída, Andréa del Fuego criou um romance que coloca o leitor frente a frente com a capacidade de sedução de uma narradora desagradável, obrigando quem lê a refletir sobre simpatia, antipatia, classe, gênero, ética e moral. 

Nessa história, Cecília, a pediatra que empresta sua especialização para o título do livro, simplesmente vive sua vida, pensa seus pensamentos, sente e elabora seus sentimentos. Essa vida que ela vive, apesar de quase comum, é privilegiada, e por isso mesmo acaba funcionando também como uma crítica ao mundinho deslocado e cheio de interesses da classe médica.

O diferencial desse enredo está em como essa protagonista percebe seu redor e conta sua história. A exposição dessa mente inquieta — e, para nós, completamente sincericida — nos atrai. Um divórcio, um amante, uma doméstica, uma profissão de status, mas exercida sem vocação, tudo isso ganha novas nuances com ela. E quando a gente vê, o livro já acabou e estamos obcecados pela Cecília, como Cecília também está pelo seu novo interesse (alvo?) da vez.

Algumas coisas contadas pela narradora-protagonista provocam risadas por serem simplesmente absurdas e, ao mesmo tempo, às vezes um pouco verdadeiras, mas o que prende o leitor mesmo é a constatação de que aquela pessoa que soa tão arrogante e egocêntrica parece encontrar algum eco em cada um de nós.

Esse não é um processo de identificação necessariamente, é de sedução. O poder dessa personagem é evidente: Você às vezes gosta dela, mas contra a vontade. Tem vergonha de gostar. Você diz que ama odiá-la, mas às vezes torce por ela, enquanto a xinga mentalmente. E ri dela. Ri com ela. Não acredita no que ela vai fazer.

Acompanhamos essa protagonista difícil que se constrói e desconstrói na nossa frente, nos lembrando das contradições e medos que, ainda que muito ou pouco diferentes, também fazem nossa própria humanidade. Diante de Cecília, somos postos para pensar nas vulnerabilidades que tentamos a todo custo ocultar, no poder das palavras e nesse Outro que é sempre um desconhecido, um mistério que a gente nunca vai conseguir desvendar por completo — uma possibilidade que nos atrai e nos repele na mesma medida.

Cecília está longe de ser exemplar. Na verdade, praticamente todo mundo dessa história não poderia se colocar nesse lugar nem se quisesse. Cecília é babaca e parece fugir o tempo todo de qualquer possibilidade de se descobrir diferente disso, porque é assim que deve ser no planeta Capitalismo. E, como todos os outros personagens chegam até o leitor a partir dela e seu olhar cínico para as coisas, eles também acabam ficando meio sem lugar na régua moral de cada um, porque só os conhecemos já enevoados pelo olhar de Cecília. E que bom!

A literatura não serve simplesmente para difundir virtudes ou ensinar alguma coisa pra alguém. A literatura não é sobre personagens bonzinhos e nem precisa ser óbvia em sua função, qualquer que seja ela, isso se houver uma. Às vezes o que parece feio, errado, antipático ou até detestável é só uma amostra da complexidade humana e das nossas relações, tornando nossas bibliotecas e estantes espelhos dos problemas do mundo e do eu. Às vezes uma personagem complicada existe simplesmente porque pessoas complicadas também existem e se deparar com um livro com uma é se permitir perceber que a gente também nunca é tão simples e bons como imaginamos ser.

Se a literatura é a fabulação da vida, dos outros, de nós mesmos e do mundo, nossa maneira de compreender e conversar sobre tudo, a gente também precisa conhecer melhor Cecílias, porque às vezes a ideia que temos de como uma mulher deve se portar, especialmente perante crianças e homens, transforma uma personagem em um monstro mesmo quando sabemos que estamos olhando, tratando e se incomodando com um ser humano perdido. Talvez precisemos conhecer mais Cecílias na literatura, simplesmente porque ainda vivemos em um mundo que se incomodaria muito menos e riria muito mais com esse livro se ele fosse protagonizado por um Sr. Dr. Pediatra Celso — e isso diz muito sobre como vemos homens e médicos.

Uma pediatra que não gosta de crianças causa curiosidade e perturba, é uma premissa excelente para um livro; um pediatra que não gosta de crianças provavelmente seria visto como mais um profissional esforçado. Cecília é vista como absurda — e talvez seja mesmo — e quando Andréa del Fuego parte dela para escrever, ela nos lembra que literatura é humanidade e a humanidade é um personagem mais complexo que qualquer pessoa.

(Resumindo: Fleabag voou para que Cecília pudesse caminhar)

Recebi “A Pediatra” numa parceria que fiz com a Nádia do Pomar Literário. Vocês podem ler uma versão enxuta, exclusiva e caprichada das minhas reflexões sobre esse livro aqui, em um post colaborativo meu e dela no Instagram. Se interessou em ler o livro? Compre “A Pediatra” com meu link da Amazon e me ajude a continuar escrevendo.

Curtiu a reflexão? Então você também pode se interessar em ler meu ensaio “Os tais caquinhos que formam Abigail, eu e você”

férias de verão

ou 14 elefantes incomodam muita gente

Acervo pessoal — Colagem digital de Thaís Campolina 

14 elefantes viajam pela China nesse momento
formando juntos um coletivo de andarilhos 
com motivações desconhecidas

14 elefantes viajam pela China nesse momento
intrigando juntos massas de pessoas
com motivações reconhecidas

14 elefantes viajam pela China nesse momento
sendo observados por curiosas espécies locais 
de cientistas turistas autoridades
 ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ e eus

a manada percorre
tempo território espaço
e numa lógica animal
visita vilas cidades condados
atravessa rios
trilha estradas
ocupa fazendas
desviando de drones 
que tentam fazer o bando 
voltar pra casa 
sem nem perguntar 
o que eles acham disso

rota migratória
retiro espiritual
desejo por aventura
simples teimosia
fuga

não importa o nome

um cara branco vai 
escrever um texto no LinkedIn 
sobre a força de vontade 
desses bichos enormes e motivados

um jornalista brasileiro vai 
publicar a tradução de uma matéria gringa
sobre esse intrigante mistério
 ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ animal

e eu
eu vou fazer um poema 
sobre a memória 
dos elefantes

se você gostou desse poema inédito, deixe um comentário, compartilhe com seus amigos e me acompanhe também pelo Medium,  Facebook, Twitter,  Tinyletter  e  Instagram.

éramos_duas.mp3

Ma-má? Mã-mã? Ma-mã-ma-mãe? Mamãe? Vem cá, mamãe. Mamãe, dorme comigo hoje? Por que, mamãe? É só um au-au, mamãe. Mamãe, eu quero. Não, mamãe. Desculpa, mamãe. Mamãe, o que é isso? Não é nada não, mamãe. Mamãe, me dá? Por que, mamãe? Mamãe, cê tá triste comigo? Me conta uma historinha, mamãe. Mamãe, eu não quero. Olha que bonito, mamãe! Mamãe, cê gostou? Vem brincar, manhêêêê! Mãe, cuidado com a bola! Eu juro que não fui eu, mãe. Eu prometo, mãe! Mãe, foi sem querer. Ah nem, mãe. Mãe, que saco! Toda hora isso, mãe. Mãe, posso dormir na casa da vovó hoje? Chuta pra mim, mãe! Que bicuda você deu, mãe! Por que não, mãe? Não quero brincar de boneca, mãe, não gosto mais. Foi mal, mãe. Vamos dormir mais tarde hoje, mãe? Mãe, deixa eu levar esse gatinho pra casa? Que que tem, mãe? Mãe, o que eu faço agora? Não vou calçar essa sandália hoje, mãe. Não gosto, mãe. E quem disse que eu ligo para isso, mãe? Não quero, mãe. Mãe, eu já falei que eu não quero! Mãe, nem vem que já não sou mais criança. Que delícia, mãe! Me ensina, mãe? Deixa eu ir, mãe. Mãe, por favor! Ai, mãe, cê não vem mesmo nadar com a gente? Mãe, por que você tem que fazer isso toda vez que eu vou sair? Como você era na escola, mãe? Cê ia bem em tudo, mãe? Mãe, me ajuda com esse zíper. Mãe, me empresta essa jaqueta? Boa noite, mãe. Só hoje, mãe. Mãe? Me deixa tentar, mãe. Eu sei, mãe. Mãe, que saco! Mãe, o que você tá fazendo aqui? Por que você fez isso, mãe? Mas eu não gosto, mãe. Eu não quero usar mais essas roupas feias suas, mãe. Ai, mãe. Tudo bem, mãe? Me dá uma carona, mãe? Obrigada, mãe. Mãe, que livro é esse que cê tá lendo agora? Mãe, me deixa em paz. Não quero falar com você agora, mãe. Eu quero ficar sozinha, mãe! Mãe, que gracinha! Te contei, mãe? O que está passando na TV, mãe? Esse programa é bom, mãe? Mãe, eu quero é isso pra mim. Ai, mãe, eu já não sei mais o que fazer. Me ajuda, mãe. Mãe, cê não vai acreditar… Você já fez isso mesmo, mãe? Jura? Mãe, agora tá pronto, pode olhar. Ficou bom, mãe? Não tem nada demais nisso, mãe. Não precisa ficar elogiando, mãe. Mãe, deixa de ser boba. Uai, mãe… Cê adorou, né mãe? Mania nova, mãe? Valeu, mãe. Que beleza, mãe! Mãe, mas cê já vai? Chegou cedo hoje, tava com saudade de mim, né mãe? Mãe, você viu isso? Vamos fazer alguma coisa diferente esse domingo, mãe? Mãe, cê ficou sabendo? Tava bom demais, mãe. Do que você tá falando, mãe? Não se faz de sonsa, mãe. Mãe, o que cê achou? Curtiu, mãe? Que vergonha, mãe. Dá licença, mãe. Gostou do presente, mãe? Vem tirar foto, mãe! Mãe, tudo vira neura na sua cabeça. Mãe? Credo, mãe, que mania que você tem de botar defeito nas minhas coisas. Bom apetite, mãe! Vai um baralhinho hoje, mãe? Mãe, eu já disse que não quero mais. Vou ter que repetir, mãe? Sério isso, mãe? Mãe, deixa eu ver. Vamos agora, mãe? Já tá na hora, né? Mãe, como foi lá? Deu pra entender bem, mãe. Que que foi, mãe? Nossa, mãe, me conta isso direito. E essas fotos antigas, hein, mãe? Olha essas roupas esquisitas que todo mundo usava, mãe! Esses cabelos, mãe! O que vamos fazer hoje, mãe? Ai, ai, mãe. Se anima aí, mãe! E o que você disse, mãe? É assim que se faz, mãe! Mãe, quer emprestado? Me mostra logo como ficou, mãe! Mãe, tô curiosa! Tá toda toda, hein, mãe? Mãe, como você não entendeu ainda que eu faço o que eu quiser? Mãe? Mãe, tô preocupada com você. Conversa comigo, mãe. Mãe, você não presta atenção no que eu falo mesmo, hein? Mãe, já marcou seu médico? O que o médico falou, mãe? Mãe, que saco, hein? Toma esses remédios direito, mãe. Mãe? Quer vir pra cá, mãe? Cê gostou, mãe? Mãe, cê mesma quem fez? Lá vem você de novo com esses trem, né mãe? Ai, mãe. Não sei, mãe. Se animar, eu te levo, mãe. Me conta isso direito, mãe. E cê acreditou, mãe? Ai, mãe, eu não aguento mais. Quem disse que ia ser fácil, né mãe? Quer um pouquinho, mãe? Mãe, vem dançar! Onde você aprendeu esses passos, mãe? Você não tem jeito mesmo, né mãe? Só mais um pedaço de bolo, viu mãe? Chegou chegando, hein mãe? Mãe? Tá pronta, mãe? Tô passando aí, mãe. A gente combinou, mãe. Cê esqueceu de novo, mãe? Mãe, mas cê desistiu de ir e nem me avisou? É isso mesmo, mãe? Mãe, o que você achou? Aceita, mãe? Tá tudo bem, mãe? Obrigada, mãe. Trouxe cruzadinha, mãe. Mãe, precisa de ajuda? Bem-vinda, mãe. Mãe, pode deixar que eu faço. Tá gostando, mãe? Mãe, você sabe que você não dá conta mais. Caramba, mãe! Vem cá, mãe. Mãe?

Colagem analógica de Thaís Campolina a partir de fotos de Bárbara Olsen

Esse conto, assim como essas colagens, fazem parte da coletânea “Casa nua – maternidade devassada”, obra que reúne trabalhos produzidos pelas participantes do Coletivo Escreviventes numa parceria com a Revista Tamarina. O e-book é composto por textos em prosa e verso de 49 escritoras brasileiras e trata sobre diferentes perspectivas de ser mãe e ser filha, levando em conta também a possibilidade de não ser mãe e os aspectos políticos e sociais desse ser e não ser. Baixe o PDF aqui.

Esse texto também foi publicado na Revista Mormaço.

Pequeno acervo de projetos literários interessantes

Obrigada, Canva, por mais essa graça alcançada

POR QUE LISTAR?

Revistas e portais literários são meios importantes de divulgação, mapeamento, registro e memória de trabalhos produzidos por quem escreve o nosso tempo. Além disso, funcionam como lugares de experimentação, de encontros e trocas entre autores, editores e apaixonados pela literatura. São também espaços de incentivo à diversidade e promotores da democratização da leitura e da escrita.

Pensando nisso, e também nos debates sociopolíticos que essas revistas, portais e sites podem fomentar, eu reuni numa thread do Twitter vários projetos que versam de alguma forma sobre escrita e arte, sendo a maioria deles acessíveis de maneira gratuita e online, ainda que alguns também ofereçam serviços pagos. Como nem todo mundo que escreve e lê usa a rede social em que publiquei originalmente essa tentativa de acervo, decidi postar por também aqui.

A LISTA

O portal Fazia Poesia conta com uma equipe de 255 poetas, espalhados em mais de 60 cidades e 5 países, e publica de 2 a 4 poemas por dia. Além disso, também tem podcast, colunas e artigos, fora oficinas pagas.

Hospedada no Medium, há também a revista eletrônica da Mormaço Editorial, editora independente de literatura brasileira contemporânea. Com mais de 60 autores na equipe, a Mormaço publicava cerca de 10 textos por semana até passar a lançar edições mensais.

Organizada pela Thainá Carvalho, a Revista Desvario tem como mote valorizar a escrita e o trabalho visual das mulheres. Além de publicar autoras e colagistas de diversos lugares do país, o projeto também promove um podcast e um clube de leitura.

O portal Escritor Brasileiro promove chamadas frequentes com temas específicos para construir sua Revista Subtextos, publica entrevistas com autores independentes e posta resenhas, crônicas e afins.

A Casa Inventada é um espaço virtual que promove a escrita e a leitura a partir de cursos, oficinas, clubes de leitura e um blog que publica textos produzidos por mulheres. É um projeto focado na produção literária feminina, mas homens são bem-vindos como alunos nas aulas e cursos.

A Revista Torquato nasceu em 2019 em Manaus e tem o objetivo de difundir trabalhos de autores de todos os países lusófonos, dando uma atenção especial à produção amazonense.

A Mirada é um projeto colaborativo e um espaço dedicado às artes e à pluralidade construído pela Taciana Oliveira. Com publicações semanais, tem como proposta fomentar ações culturais proporcionando aos leitores conteúdos que valorizem a construção de ideias e a valorização da diversidade.

A Aboio é um portal de divulgação cultural que publica contos e crônicas, poesia, crítica e tradução. Além do site, o projeto conta com um podcast, uma newsletter, uma campanha de financiamento coletivo e uma editora.

O portal de entrevistas literárias Como Eu Escrevo é um espaço feito para conhecer mais sobre nomes da literatura brasileira e seus processos criativos e de escrita.

A Mallamargens é uma revista de poesia e artes visuais. O veículo tem atualizações diárias, números mensais e está no ar desde 2012.

A Tamarina Literária é voltada para a divulgação da literatura brasileira contemporânea, tendo como ênfase a literatura autoral. Apesar de manter uma equipe de colunistas fixa, também aceita colaborações externas. Suas edições mensais são publicadas no Medium e podem ser baixadas em formato PDF pelo linktree do projeto.

Cassandra busca valorizar a escrita das mulheres. Editada por Milena Martins Moura e Cecília Lobo, a revista tem uma equipe fixa e também trabalha com convidadas. Fora isso, tem ISSN e parceria com o coletivo de escritoras EscreviVentes.

As poetas Júlia Raiz e Natasha Tinet constroem a Totem & Pagu, uma firrrrrma de poesia que une palavras & colagens & muita ousadia.

Editado pela Mia Sodré, o Querido Clássico é um portal mais que literário feito por mulheres que escrevem sobre cultura e clássicos: literatura, cinema, história, televisão, arte. Se você gosta de pesquisar, ler e ensaiar sobre esses assuntos, vá atrás. O site conta com uma equipe fixa de colaboradoras, mas é possível participar pontualmente também.

A Ruído Manifesto é uma revista voltada para literatura, crítica e audiovisual sediada no Mato Grosso, mas aberta para a publicação de textos em língua portuguesa.

A Revista Sucuru é uma publicação brasileira (e nordestina) de literatura e arte contemporânea. Como tal, se propõe a divulgar, incitar e inspirar a produção artística e literária do Nordeste e do Brasil na contemporaneidade; publicando tanto autores iniciantes quanto veteranos, de todas as regiões do país.

A Revista Poça é uma publicação digital de textos poéticos feitos por mulheres. O projeto mescla palavra e imagem, encorajando a expansão do trabalho poético.

A Revista Aorta tem um caráter formativo e busca o compartilhamento e fortalecimento do cenário literário. Oferece oficinas de escrita, workshops e um canal de compartilhamento de obras e difusão da arte.

A Revista Rubiginosa nasceu do fim da Alpaca Press e assim como ela tem como ideal divulgar o trabalho literário e de artes visuais de mulheres. Em hiato desde o ano passado, é possível acessar e baixar as duas edições da revista clicando em sua página de links.

O Toma aí um Poema é um portal que edita coletâneas, divulga artigos literários em seu espaço, posta notícias de lançamentos independentes e publica leituras poéticas em um podcast disponível nos principais streamings e Youtube e afins.

A Revista Arara é um projeto que busca mapear artistas e eventos culturais numa plataforma digital e multimodal fácil de usar. Ampla, é possível encontrar toda espécie de arte em seu acervo, contendo também material em espanhol, buscando uma conexão com o restante da América Latina.

Fundada em 2016, a Poesia Primata é uma revista eletrônica voltada para a difusão da poesia brasileira contemporânea.

A Revista Toró recebe trabalhos de literatura, crítica e todo tipo de atravessamento artístico em fluxo contínuo. Tem poema, tem conto, tem resenha e tem textos comentando obras visuais.

A Revista Rosa se apresenta como política, teórica e artístico-cultural, um órgão de intervenção na luta pela democracia e pela justiça social.

A Felisberta é uma revista de poesia editada por Eduarda Rocha, Marina Rima e Matheus Hotz entre Maceió, Belo Horizonte e Juiz de Fora. O projeto publica poemas, traduções, contos curtos & artes visuais.

A Mathilda é uma revista literária voltada para a publicação de poesia, prosa e textos teatrais. É aberta para explorar as fronteiras entre palavra e imagem, traduções de obras completas e parciais, artigos literários, e, aparentemente, outras coisas, desde que caibam na no eixo temático escolhido para o número. Abre chamadas.

A Revista Caliban é voltada para a divulgação das letras, artes e ideias e se pretende multi e interdisciplinar, sendo formado por pessoas de vários países (Portugal, Brasil, Angola, Moçambique).

A Alcateia é bimestral e reúne textos sobre processo criativo na escrita, narrativas diversas, leitura e tudo que se relaciona a esses tópicos, além de contos e poemas.

Com edições trimestrais, além de algumas temáticas, a Revista Gueto é um portal de literatura em língua portuguesa que publica muita coisa boa.

O projeto Mulheres Que Escrevem também é voltado para a valorização da escrita das mulheres e tem como mote promover uma conversa entre autoras. Além de oficinas, Instagram, podcast e afins, a equipe também mantém uma publicação no Medium repleta, principalmente, de poesia.

O Leitor Cabuloso é um portal dedicado a todo mundo que gosta de literatura. Tem contos, colunas, resenhas e variados podcasts voltados para escrita, leitura e criação.

A Escamandro é um projeto voltado para poesia, crítica e tradução e já tem mais de uma década de vida.

A Revista Ikebana tem como enfoque produções nacionais de autores LGBTQIA+, mulheres e pessoas pretas.

A Kuruma’ta é uma revista online de culturas e afetos compartilhados. Ideia de Aderaldo Luciano e Toinho Castro. Além do site e Instagram, hospeda a Rádio Plutão.

A Germina Literatura é uma revista digital e independente voltada para difusão da literatura e da arte. Perto de completar 20 anos, publica todos os gêneros literários e encoraja aproximações com outras artes como cinema, fotografia, música e teatro.

Entre tantos projetos legais, destaca-se também a Revista Acrobata que tem um trabalho voltado para literatura e artes visuais. Tem resenhas, artigos, traduções e, claro, poesia e prosa.

A Noturna é uma revista literária focada em publicar contos de autoria feminina que transitem entre a literatura fantástica e o horror.

O selo Café Espacial, criado pelo editor  Sergio Chaves e pela jornalista Lídia Basoli, existe desde 2007 e tem a missão de aproximar públicos de diversos segmentos artísticos por meio da difusão de histórias em quadrinhos autorais e artes afins.

A Revista Emília é um publicação digital independente e gratuita que, desde 2011, se dirige a todos os agentes que trabalham a leitura e a escrita como instrumentos para a formação de leitores críticos e conscientes.

A Revista Piparote é um espaço criado para o debate e para a divulgação de ideias no campo da Literatura e das Artes. Pretende-se divulgar no meio digital e impresso novos autores nacionais e internacionais; bem como lançar um piparote sobre o túmulo para reavivar a gênese dos mortos.

A Revista Ventania pretende ser um lugar de integração e divulgação do trabalho de jovens pesquisadores, pensadores, artistas ou criadores. Publica ensaios e textos literários.

A Revista Gratuita é uma publicação literária da Editora Chão de Feira. Até então são cinco edições que podem ser baixadas em formato PDF e lidas pelo site.

A Revista Lavoura é um espaço voltado para a divulgação de ficção, crítica e entrevista, acolhendo escritores, editores, críticos, ensaístas e pesquisadores de carreira sólida ou novata. Tem apoio da Reformatório, do Estúdio Risco e da Unicórnio Editorial. Além do site, possui publicação impressa que pode ser comprada.

A Revista Potocando busca unir literatura e RPG e conta com chamadas semestrais.

A Revista a.galinha é uma publicação independente em formato digital, que tem como objetivo circular o trabalho de pessoas que escrevem e produzem arte, com foco em latinoamericanes e em especial, brasileiras, brasileiros e brasileires. 

A Revista Cupim é uma revista de literatura, elaborada em formato digital. Dividida em leitura, escrita e conversa, publica ensaios, contos, crônicas, traduções, poemas, cartas e entrevistas.

A Revista Caju é um espaço cultural voltado para a difusão de todo tipo de arte. Passeando no site, a gente descobre que a curadoria do projeto é voltada para literatura, música, artes visuais, cinema, artes cênicas, cidade e arquitetura, pensamento e carnaval.

A Jamburana é um jornal literário colaborativo, independente e gratuito. Garoa é seu selo voltado para a divulgação de poesia.

A RevistaRia é a revista virtual da Ria Livraria, livraria de rua que está localizada no bairro Sumarezinho em São Paulo, capital. Publica contos, poemas, artigos, resenhas e lançamentos.

A Revista Pólen é um espaço pra quem acredita na literatura sem barreiras, na renovação e no coletivo.

A Revista Uso é uma publicação impressa, semestral, direcionada à visibilidade e circulação de trabalhos em textos e artes. Além das edições físicas, a Uso também se desdobra digitalmente.

A Revista Contos de Samsara é uma produção literária digital de assiduidade bimestral que tem como intuito estimular a literatura nacional divulgando autores e disponibilizando contos gratuitamente a todos os leitores. É editada por Michele Machado Fernandes.

A Revista Subjetiva tem um histórico de publicação de diversos autores, especialmente no âmbito da não-ficção. Tem ficção também, claro, mas entre todas as revistas citadas até então essa é a única que tem muita coisa nesse viés.

A Revista Garupa reúne contos, poemas, cartas, tudo muito bom. Vale destacar também a beleza do site e da identidade visual do projeto.

O Bem Dito é uma plataforma multimídia que mescla opinião, política, arte, reportagem e outras travessuras em texto, imagem e som.

A Revista Jezebel é um braço da Editora Colenda e conta com a curadoria da Fabiane Guimarães. Autoras como Natércia Pontes, Monique Malcher, Dia Nobre, Paulliny Tort, Cristina Judar, Marcela Dantés, Cecília Floresta e Tatiana Nascimento já deram as caras por lá.

A Deriva é um publicação independente de cultura contemporânea interessada em tratar de temas relacionados ao mundo da literatura, cinema e psicanálise.

A Revista Minha voz é um projeto digital, colaborativo, independente e sem fins lucrativos e tem como objetivo ser um espaço de diversidade e compartilhamento, enquanto fomenta trocas artísticas e literárias.

A Revista Editar é um projeto relacionado ao curso de Letras – Tecnologia de Edição do CEFET-MG e tem a intenção de funcionar como um laboratório de edição, revisão, curadoria e afins dos alunos. Com diversas edições espalhadas online, estando a maioria disponível no ISSU para leitura, é possível participar no momento da chamada para textos para a 13ª edição.

A Intransitiva é uma revista digital cultural-artística de acesso livre da UFRJ. Publica textos literários e visuais.

A Revista Literária Grifo propõe uma saída para uma travessia singular pela via da escrita e das artes visuais, abrindo caminhos para contornar os vazios que nos constituem, seja lá o que isso significar.

A Revista Contexto é um projeto voltado para a literatura contemporânea que tem o intuito de reunir produções literárias que expõem o nosso contexto político, econômico, e social, buscando provocar reflexões dolorosas, mas necessárias.

A Revista Vício Velho, editada pela Carolina Hubert, é voltada para a literatura e já está na sua 26ª edição.

A Revista Passaporte é uma revista colaborativa brasileira voltada para todos que gostam de ler e escrever sobre viagens.

Delirium Nerd é um site colaborativo escrito por mulheres, com matérias sobre cultura, comportamento e representação feminina, com destaque em produções feitas e protagonizadas por mulheres. Idealizado por Isabelle Simões está no ar desde 2016.

Porco Espinho é um site de entretenimento voltado para cinema/tv, música e literatura.

O Homo Literatus tem como premissa tornar a literatura um conteúdo acessível e interessante dentro da internet.

Valkirias é um espaço dedicado à cultura pop criado e realizado exclusivamente por mulheres. Com intenção de pensar música, cinema, tv, literatura e games sob uma perspectiva feminista, elas escrevem.

A Revista Philos tem como objetivo transformar as afinidades literárias e artísticas em instrumentos de cooperação entre os povos latinos.

A Revista A Taverna é voltada para a divulgação de textos e autores que escrevem ficção científica, fantasia e terror.

A Revista Trasgo é voltada para a ficção científica e fantasia. Eles não publicam mais contos, mas tem um belíssimo acervo!

A Revista Avessa se coloca como autoral, criativa e diferente. É voltada para o fantástico.

A Revista Mafagafo é criativa, bem preparada e voltada para a publicação de textos nos gêneros ficção científica e fantasia.

A Eita Magazine! foi criada para divulgar a produção de ficção insólita brasileira para o público estrangeiro, para revelar as tendências da ficção fantástica contemporânea e inserir a produção brasileira no diálogo cultural do mundo.

A Fantástica 451 divulga análises, resenhas e críticas relacionadas às Narrativas Fantástikas, como a Ficção Científica, Fantasia, Horror, Weird e demais relacionadas, tanto em literatura quanto em cinema e outras mídias.

A Revista Pretérita é voltada para a divulgação de obras do gênero ficção histórica.

A Fale Com Elas não está mais em atividade, mas ainda reúne vários trabalhos literários produzidos por mulheres. Tem resenhas, contos, poemas, híbridos, crônicas e ensaios.

A Revista Pasmas é voltada para a publicação de mulheres e tem como editoras Heloisa Pait, Juliana de Albuquerque, Ludmila Franca-Lipke e Thainá Pedroso.

A Escrita Droide é uma revista-blogue voltada para a publicação de poesia.

A E-feito Coliteral é uma revista literária digital que tem a intenção de homenagear a língua portuguesa e seu pluricentrismo.

A Revista Vida Secreta é voltada para a difusão da literatura e de ideias. Tem espaço para entrevistas, prosa, poemas e um podcast.

A Revista Perpétua é uma revista digital bimestral que tem a intenção de impulsionar a carreira de escritores e ilustradores pouco conhecidos. Possui newsletter e diferentes colunas.

A Revista Maçã do Amor é uma publicação digital cujo objetivo é divulgar e unir artistas de escrita e artes visuais, valorizando e divulgando a arte produzida no Brasil por brasileiros. Para eles, todo mundo merece uma história de amor e cada um tem uma visão única do que é amor, por isso a proposta é colocar em destaque o amor romântico.

A Revista Égua Literária é voltada para a divulgação e valorização da ficção especulativa, fantástica e de terror produzida por autores/as da região Norte do país.

A Revista Raimundo tinha como mote abrir portas para novos autores e autoras da literatura brasileira. Já não está mais em atividade desde 2018, mas tem um acervo interessante com contos, poemas, ensaios e traduções com alguns nomes que hoje vemos em grandes editoras.

A Chama é um projeto voltado para a valorização e a difusão da literatura feita na cidade de Belo Horizonte, tendo tido uma newsletter semanal de divulgação de eventos culturais por um tempo.  Fundada por Flávia Denise, a revista teve algumas de suas edições publicadas a partir da aprovação de projetos em editais de cultura da cidade de Belo Horizonte.

A Revista Marimbondo é uma publicação, sempre gratuita, voltada ao entrelaçamento dos temas arte, cultura e cidade. Editada em Belo Horizonte, escolhe macro-temas em suas edições. Confira também o site do projeto.

A Literatura e Fechadura é uma plataforma que se dedica à promoção e fomentação da arte, poesia brasileira contemporânea, entrevistas, contos, crítica literária, abrangendo uma variedade de textos literários e cultura geral. O editor e poeta Jean Narciso Bispo Moura está à frente da curadoria dos conteúdos publicados.

A PISEAGRAMA é uma plataforma editorial sem fins lucrativos, sem publicidade e open access que se dedica a inventar confluências, catalisar ideias urgentes e reunir pessoas para pensar outros mundos possíveis em aliança com coletivos urbanos, LGBTQIA+, afro e indígenas.

TIPOS ESTRANHOS

Selbstüberwindung não é uma revista, é um movimento, um estilo de vida de formas vagas. Tem shitpost, poema, carta, memórias, comentário cultural e tudo mais.

PUBLICAÇÕES QUE PODEM SER COMPRADAS

A Revista Peixe-Boi é uma revista de prosa e poesia editada pela editora Jabuticaba.

A Olympio é uma revista literária independente que enfatiza a produção ficcional, poética e ensaística contemporânea, incluindo ainda perfis e entrevistas, tradução de textos literários, relatos de viagem, ensaios visuais e fotográficos.

A Revista Intempestiva é uma publicação da Editora Urutau voltada para a literatura e artes. Tem poesia, prosa, tradução e ensaio.

A Revista Temporã busca ser um espaço de estímulo à produção literária e de formação de leitores e novas escritoras/es brasileiras.

A Revista Ouriço é uma publicação da Macondo Edições voltada para poesia e crítica cultural.

O Jornal Relevo é um impresso mensal de cultura, sobretudo literatura, feito em Curitiba desde agosto de 2010, pelo jornalista Daniel Zanella.

INDO ALÉM

A Revista Suprassuma é um o projeto do selo Suma, da Companhia das Letras. Digital, colaborativa e gratuita, procura textos de ficção especulativa e os disponibiliza gratuitamente para leitores em edições especiais, formadas a partir de chamadas temáticas.

A Revista Traços é um projeto projeto social que se propõe a auxiliar na reinserção de pessoas em situação de rua e/ou extrema vulnerabilidade financeira no mercado de trabalho e ao mesmo tempo difundir informações e novidades sobre as iniciativas artísticas e culturais da cidade – bem como de seus idealizadores – e se consolidando como uma referência para os artistas e entusiastas da cultura.

O Suplemento Pernambuco é um jornal criado em 2007 como suplemento cultural do Diário Oficial do Estado de Pernambuco. Ele se propõe a falar de literatura e a questões do contemporâneo, sendo uma ótima leitura para quem quer pensar em livros nesse viés. Tem circulação nacional e periodicidade mensal.

A Revista Continente se apresenta como um veículo contemporâneo de jornalismo cultural com periodicidade mensal, produzida em Pernambuco desde 2000. É da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) e um dos maiores importantes espaços culturais produzidos fora do eixo Rio-São Paulo.

A Quatro Cinco Um se coloca como uma revista voltada para os livros e faz um sucesso danado com seu famoso listão.

A CULT é uma revista mensal voltada às áreas da arte, cultura, filosofia, literatura e ciências humanas.

O Publishnews nasceu como uma newsletter, mas hoje é uma publicação diária que forma um portal de novidades literárias.

O Rascunho publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção
(contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs e oferece bastante conteúdo exclusivo para assinantes. Fundada em Curitiba/PR, tem circulação nacional e periodicidade mensal.

COLABORE COM O ACERVO

Essa é uma lista obviamente incompleta, centrada principalmente no que conheço e lembro que conheço, então, por favor, compartilhem comigo novos links de projetos independentes (ou não) e não me xinguem porque eu esqueci de listar onde vocês escrevem ou editam.

A caixa de comentários está aberta e, ao menos inicialmente, esse post passará por pequenas edições para acréscimo dos projetos sugeridos.

‘iô’: a descoberta de si e dos mundos em disputa

Acervo pessoal – Adquira seu exemplar aqui.

e ela sabe
mas o melhor
não é sempre
o bom

Estruturada como uma novela em versos, , de Camila Lourenço, conta uma história localizada bem nas gretas entre gêneros, tempos e espaços bem definidos, numa mescla que acaba funcionando como um elemento crítico às origens do complicado mundo que vivemos, ao presente feio que tentamos não encarar e a esse futuro terrível que se desenha em meio a essa feiura generalizada.

Partindo dessa hibridez da forma e da abordagem, a autora é capaz de colocar o leitor em um não-lugar de deslocamento próximo ao da protagonista. Poderia ser semana que vem, daqui cem anos, em um outro milênio. Poderia ser até no passado. Nessa indefinição de tempo-espaço, um trabalho de contraste é feito a partir dos únicos personagens nomeados dessa narrativa: iô e Dante, mulher e homem, terra e cidade, comunidade e individualidade.

iô é uma personagem cativante. Nascida e criada numa ecovila isolada do mundo urbano, ela é uma jovem curiosa, desejante, amante da natureza e parte de um grupo de pessoas que se apoiam, se divertem e trabalham juntos. E por incrível que pareça, talvez justamente por ter crescido em um ambiente que promove tanta autonomia e sequer cogitar que em outros lugares isso pode ser bem diferente, ela decide ir embora com Dante, quando ele chega com sua trupe de homens oferecendo a ela o fogo e calor de uma paixão e um novo mundo a conhecer.

Escrever sobre essa história acaba sendo um desafio, porque Camila, com muita simplicidade e diria até delicadeza, explora nas páginas de temas relacionados com o meio ambiente, colonização e machismo. Essa aparente simplicidade e delicadeza da forma de contar da autora faz com que qualquer comentário que fuja dessa forma de dizer soe grosseiro, dominante demais, meio Dante e sua trupe mesmo quando quero criticar esse modo dele de se portar perante o mundo.

O verso livre é a cara da autonomia de iô, a resenha em prosa e tom meio explicador não. A linguagem, assim como a forma de contar, importa: ainda que desbravar e explorar sejam sinônimos de percorrer, iô não quer fazer isso, ela quer conhecer. Ainda que em nossa sociedade se use comumente falar homem e mulher no lugar de mulher e homem, aqui e no livro iô vem em primeiro lugar.

sobre duas pernas iô é bicho
quer correr pra longe do chumbo
não tem pedaço de pano que a prenda
mas ela fica e reza para quem já não ouve

representa uma outra epistemologia e a gente, leitor de um lugar mais próximo de Dante, precisa saber ler melhor as outras diversas maneiras de dizer. Além do que é contado, a simplicidade das palavras, o ritmo construído por elas, as repetições de nomes, a aparição de vozes e como elas falam, tudo isso importa.

Camila Lourenço, a partir desse enredo de uma pretensa história de amor e desses personagens, nos coloca para pensar no encontro de mundos conflitantes que a alteridade pode oferecer no capitalismo, tardio ou não, obrigando o leitor a pensar também em Silvia Federici, no “O conto de Aia” de Margaret Atwood, na abordagem do encanto e do estranhamento do estrangeiro de Ursula K. Le Guin, na forma de narrar da literatura indígena presente em Eliane Potiguara e no choque de mundos presente em “Eisejuaz” da Sara Gallardo, “O mundo se despedaça” do Chinua Achebe e “Os rios profundos” do José María Arguedas.

Percorrendo de ônibus uma avenida feia de Campinas todo dia enquanto escrevia, Camila conseguiu captar que esses mundos continuam em disputa no aqui e agora, ainda que sempre tenha alguém pra tentar convencer as incomodadas que não há nada mais que possamos fazer, que tudo isso pertence ao passado ou ao futuro, não a nós.

pela manhã
com sede de ver
o que há para ser visto
com esses olhos que deviam
agora ser mais cumpridos
seus cílios se desgrudam
e ela enxerga

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Você também pode se interessar em ler “Nas minhas andanças literárias, conheci Eisejuaz”.

Lygia, a contemplação e os mistérios que nos movem

Acervo pessoal – Compre livros da autora aqui

Acordei pensando em Lygia Fagundes Telles hoje, um dia após saber que ela se tornou só memória. Minha história com Lygia é confusa, cheia de idas e vindas, como a leitura de contos às vezes pede. A permanência e uma relação de continuidade é algo mais próximo dos romances e dos romancistas — gênero que a autora também explorou, mas que conheço menos — mas contos podem ser lidos esparsos e, ao mesmo tempo, com muito afinco. Você pode passar meses lendo um conto só, como você pode fazer com um romance, apesar da natureza do conto não costumar evocar esse tipo de experiência de leitura. De todo modo, lendo repetidamente ou não, um conto pode permanecer com você por muito tempo. O conto pode até tentar ser mais leve, dar a possibilidade de ser lido avulso ou mesmo ser impresso numas poucas folhas de papel e solto no mundo como um presente, mas também pode se fazer ficar, se tornar permanente dentro de cada um.

Os bons contos são como cometas que viajam pelo universo em órbitas que nem a máquina mais moderna da NASA é capaz de apreender completamente. A gente só sabe mesmo que um dia eles voltam. 76 anos depois, como o caso do cometa Halley, ou antes. E nesse retorno, ele bate diferente. Ao menos os contos da Lygia sempre foram assim pra mim: misteriosos, cheios de camadas e feitos para se deslocarem sem parar até enfim voltar para aqui dentro. E esse regresso sempre acontece quando eu estou pronta para perceber tudo diferente, ainda que eu não saiba disso na hora.

Uma temporada com uma leitura é suficiente para você ficar com alguns personagens, sensações e experiências pra sempre mesmo tendo lido apenas uma vez. Só que esses personagens, sensações e experiências se tornam uma névoa cada vez mais densa e misturada com o seu eu. No fim, você engole o que leu e o que fica é a lembrança de um prato gostoso, estranho ou incômodo que você comeu um dia. Um prato que pode ter te marcado bastante e mudado como você vê o mundo, mas ainda assim você não consegue lembrar exatamente seus sabores, distinguir cada um dos ingredientes, rememorar como estavam as texturas de cada um dos elementos formadores do prato. Você só se lembra muito bem onde ele foi comido, com quem você estava e sente saudade do momento, da experiência em si, ainda que com o tempo até ela vá perdendo seus contornos próprios.

A leitura parece ser só um engolimento, mas o que acontece quando a gente lê é outra coisa, é uma fusão. Esse é o poder de criação do leitor, o texto é digerido até tomar uma forma nova e é essa possibilidade, que sempre pode ser melhor aproveitada quando é ativado por autoras como Lygia, que torna a experiência de leitura algo único, independente do gênero do texto lido. Foi Lygia e suas camadas, seus mistérios e seu indizível que ensinou toda uma geração de leitores a criar lendo. Foi ela que nos deu as enzimas capazes de digerir a linguagem e, assim, conseguir formular a vida mesmo quando a gente não entende muita coisa dela. Foi Lygia, junto com suas amigas, que me ensinaram a ler melhor e querer fazer isso também junto de outras pessoas.

A morte de Lygia me tocou muito, mas sei que apesar da perda desse corpo, ela permanecerá viva na memória dos seus, sejam eles familiares, amigos ou mesmo somente leitores. Os relatos de descoberta de Lygia que tenho lido nas redes sociais desde ontem se entrelaçam com o da descoberta do amor pela palavra e pela arte. Leio todos eles sedenta para entender como se dá esse processo, essa conexão, essa nova história que se desenha quando alguém encontra outro alguém, especialmente quando envolve a literatura. Leio tudo isso sem parar com medo de um dia eu me esquecer que o poder da palavra e da criação também pode ser o que construímos com e a partir de outra pessoa.

E eu, triste, tristinha, agora só consigo pensar que ainda há beleza nesse planeta.

esse texto é uma adaptação da newsletter que enviei hoje para meus apoiadores indicando obras variadas de audiovisual, literatura e pintura. saiba mais sobre como me apoiar aqui. se você gostou de me ler, deixe um comentário, compartilhe com seus amigos e me acompanhe também pelo Medium,  Facebook,  Twitter,  Tinyletter  e  Instagram.

compre livros de Lygia Fagundes Telles com meu link de associada da Amazon e me ajude a continuar escrevendo

somos acostumados a pular de cabeça em um vale de cacos pontiagudos

Acervo pessoal – “Paraquedas” – colagem analógica feita por mim

elas são trepidantes
vibram com o movimento
nada retilíneo nem uniforme
do ar e da saliva
nas cordas vocais

em um estalo da língua
elas se espatifam no bafo
produzindo um barulho
baixo médio alto altíssimo
dependendo da vizinhança
nem os cães com seus
ouvidos biônicos 
sensíveis a qualquer 
mini-estrondo
conseguem
escutar

elas saem da boca
como se fossem cogumelos cuspidos
pulando de finquete numa piscina
metade cheia metade vazia

depois do pulo
quem manda é atmosfera
ela pode destroçar um bom paraquedas
derramando pedaços pela casa inteira
ou fazer planar uma maçã
contra a gravidade

a palavra é sempre um risco

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esse post foi feito em comemoração ao Dia Mundial da Poesia. no Instagram você pode acessar uma versão mais visual desse trabalho.

fulaninha

Acervo pessoal – “Movimento” – Colagem analógica feita por mim

não dorme
horrorizada
com quem deveria ser
mas não é
com o que deveria ter
mas não tem
com o que deveria fazer
mas não faz

é assombrada
pelos equívocos cometidos
por seus crimes sem previsão legal
todos já com audiência marcada
no pior dos tribunais morais

​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ o próprio

pensa
nas rezas devidas
nas penitências nunca feitas
na punição à espreita
toda vez que ousa
ser a mulherzinha
endiabrada
que é

que pelo menos hoje, mais um oito de março, deixemos a culpa de lado. Sejamos mulherzinhas endiabradas que dizem foda-se para essa ideia de que a gente tem que fazer por merecer para ter dignidade, respeito e paz.

esse poema faz parte do meu livro “eu investigo qualquer coisa sem registro”, obra que foi selecionada para publicação no concurso Poesia InCrível de 2021. se você gostou, deixe um comentário, compartilhe com seus amigos e me acompanhe também pelo Medium,  Facebook,  Twitter,  Tinyletter  e  Instagram.

memória celular de um peixe abissal

Colagem analógica triplicada e editada no Canva por Thaís Campolina – Acervo Pessoal

à toa e preocupada
exploro minha casa
como se fossem vivos
os móveis e as paredes

um demônio me provoca
⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⠀⠀ ⠀ ⠀ e eu respondo oi
entregando que estou
perto da janela da cozinha
cinco segundos depois
curiosa e ávida por um pão
olho direto para o inferno 
esperando a vertigem
desse sumidouro

a oxigenação do cérebro
continua a mesma
a pulsação também
meus cotovelos dobrados
esbarram na toalha de mesa
me fazendo sentir na pele
o carinho de um mundo
de farelos esquecidos 

nessa voragem
não há tontura 
nem taquicardia
eu sei que estou
onde deveria estar

usando bons binóculos
frente ao espelho do banheiro
consigo olhar de volta
e me ver a qualquer tempo
caçando no escuro
mais alimento

o abismo sou eu
e ai de mim
se não continuar
a nadar

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“Flor de gume”: as mulheres, águas e as travessias

Acervo Pessoal – Compre seu “Flor de gume” aqui.

Monique Malcher escreve como quem conhece bem a água. Suas primeiras frases funcionam como o toque inicial dela no corpo. Aquele momento de arrepio que vem da consciência de que a partir de agora dizemos adeus à terra firme. Nesse instante, a água nos convida a entrar de vez e você simplesmente vai, guiada pela promessa de que é assim que se acostuma com ela. Mas, justamente por conhecer tão bem o curso dos rios, Monique nunca nos deixa acostumar inteiramente com essa imersão.

Entrar na água é um risco. O mar impõe suas ondas aos olhos e ao corpo e os rios e lagoas não são muito confiáveis. A força da água doce é menos conhecida, pode não parecer, mas dali vai vir um nocaute em forma de história. É fácil se enganar e achar que nadar ali vai ser como estar numa piscina de hotel lotada de cloro. Às vezes pode até ser, mas vai saber. Talvez dê para nadar tranquila, talvez não. Talvez o único problema que você encontre seja simples de resolver, como uma alergia ao cloro. Talvez você simplesmente afunde.

As águas de Monique são mornas, turvas e podem ser perigosas. É fácil se deixar inundar por elas lembrando de alguém, pensando numa mãe, numa avó ou numa menina, todas perdidas nessa terra afundada cheia de vida. Tem quem se veja ali, inclusive. Então, no meio de um conto, um objeto há muito tempo perdido evoca uma figura-fantasma de mais uma mulher-menina-lembrança. Estar na água é uma ruptura com o mundo fora dela. As sereias e as rusalkas que o digam.

“Não é exclusividade das casas serem assombradas, mulheres são também. Isso conheço bem”, a autora elabora a partir de uma personagem, nos ajudando a encontrar o que nos assombra em terra firme, mas a gente só consegue ver mesmo quem esses monstros são quando mergulhamos e nos permitimos olhar para o mundo sem definição, sem os contornos que somos acostumadas a lidar.

“Flor de gume” é um livro imagético, que constrói seu ritmo e sua atmosfera a partir das forças da natureza. Água, vento, perna, muralha, asfalto, memória, arte, luto, morte, tudo se mistura para contar essas histórias que tem como tema em comum a filiação, a memória, o eu e a resistência histórica do enfrentamento desses corpos perante e a partir de tanto poder. O que pode acontecer desse encontro?

Ler Monique Malcher é se permitir navegar pelas águas barrosas dos rios e das travessias que partem de lugares desconhecidos interiores e úmidos até chegar a vários outros. Quem guia esse barco são as mulheres que conhecem esse caminho desde muito cedo por terem sido obrigadas a conhecê-lo, mas, por algum motivo, quem ainda está no barco como passageira tende a achar que continua sozinha, mesmo não estando.

Se mulheres são como águas e ficam mais fortes quando se encontram isso acontece, porque as histórias vão se alinhavando e quando são finalmente contadas juntas formam um fio condutor que também funciona como uma possível rede de proteção.

Uma hora as piloteiras e passageiras desses barcos vão se encontrar e se entender, ô se vão. Exatamente como o fogão ganhado pela menina numa rifa encontrou sua avó após dias navegando e serviu de conexão entre elas.

*

Esse é um livro para quem gosta de textos híbridos, que conseguem respirar dentro e fora d’água. Se você quer ler algo que atravesse gêneros textuais a partir da construção de contos bem unidos e de uma poética, se permita conhecer “Flor de gume”. Com essa leitura, somos capazes de pensar a condição feminina e as lutas e heranças, individuais e coletivas, que acontecem como resistência a toda violência que cerca a vida das mulheres. E, mais do que isso, a partir dessa obra, nos tornamos capazes de lembrar melhor o que nos afeta e nos constrói. É importante conhecer melhor essas águas que nos cercam, deixar que elas nos mostrem o verdadeiro rosto de muitos homens.

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Monique Malcher foi a 2ª paraense a concorrer e ganhar o Jabuti. Sua vitória veio na categoria Contos pelo seu livro “Flor de Gume” na 63ª edição do prêmio. Além de escritora, é colagista, zineira e tem uma carreira acadêmica em construção.

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Reli “Flor de gume” agora em janeiro de 2022 junto ao Clube Cidade Solitária e adorei, sendo que minha 1ª vez com ele foi diferente. Eu gostei desde o início, e gostei muito, mas tinha rolado um trem meio seilá antes. Na releitura e também na conversa com outros leitores junto da autora, elaborei melhor essa minha primeira impressão perdida. Foi coisa de momento, acho, porque tem livro que tem hora, frequência e companhia certa para fazer a gente conseguir lidar com certos abalos de estrutura. Pensando então no tamanho do desconhecido das águas, na hibridez da escrita da autora e também no próprio ato de gostar, resolvi escrever sobre essa obra desse jeito meio misterioso, híbrido e quase ficcional, como se assim eu pudesse ficar mais próxima dessas personagens.

*alguns trechos dessa quase-resenha foram retirados do post que escrevi para o Leia Mulheres Divinópolis sobre o #DesafioLeiaMulheres2021 de fevereiro.

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